Imigração de haitianos

Atualização: as consequências da decisão são mais cruéis do que eu imaginava. Entendo melhor todo o choque com a decisão agora, e concordo com quem protestou.

O jornal O Globo publicou uma reportagem interessante e frutífera sobre o grande número de haitianos imigrando através do Acre. Apesar das más condições e da desconfiança dos brasileienses, os recém-chegados parecem confiantes. Como são geralmente bem educados, sua boa formação deve facilitar suas buscas por emprego.

A reportagem despertou o interesse da população por este fenômeno, comumente associado às nações europeias e norte-americanas. O novo fenômeno se tornou um assunto constante e o governo federal se viu obrigado a se posicionar rapidamente. A decisão foi fechar a fronteira aos haitianos, ceder vistos aos que já adentraram ao país ilegalmente e prover cem vistos mensais aos que quiserem vir do Haiti para cá.

A decisão não foi muito bem recebida por aqueles a favor da imigração.  O problema não seria o fechamento das fronteiras – que é natural, pois ninguém defende que se use coiotes para trazer imigrantes – nem os vistos cedidos ao que já chegaram, mas o pequeno número que seria oferecido aos haitianos em sua terra. Eu fiquei surpreso com esta reação, pois a decisão governamental me pareceu, ao menos, razoável. Talvez devido ao preconceito grotesco que preenchia as caixas de comentários das notícias, temia que o governo partisse para ações terríveis, como deportação.

Concordo que o número de vistos parece  pequeno. Entretanto, desde que conheci a decisão, imaginei o que o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Luiz Paulo Barreto, afirmou: dado o pequeno número de haitianos com recursos para emigrar, uma centena de vistos pode atender a demanda. Também acredito que um número maior de vistos, ou mesmo sua emissão sem limite mensal, fosse mais positiva, mas desconheço os detalhes burocráticos do processo. De qualquer forma, acredito que a decisão, imperfeita, foi um passo no caminho certo e pode ser aperfeiçoada.

O lado mais positivo é que, apesar do preconceito repugnante na Internet, as pessoas com quem falo parecem simpáticas aos imigrantes. O Brasil certamente tem recursos para receber os haitianos. Mais que isto, como a maioria deles são profissionais treinados e educados, eles são a mão de obra que mais falta para o Brasil crescer. (De fato, já estamos importando mão de obra qualificada há algum tempo, e os haitianos serão apenas uma pequena parte dos imigrantes.) O Haiti também tem muito a ganhar com isto, pois emigrantes são muito eficazes em combater a pobreza de suas nações. Os recém-chegados têm tudo para serem bem sucedidos e ajudarem suas famílias e seu país de origem. Como o Brasil é um país de imigrantes – já recebemos pessoas em condições muito semelhantes da Europa empobrecida no início do século passado – acredito que os haitianos resultarão em mais histórias de sucesso.

The Great Gig in the Sky

Uma música indescritível. Não consigo narrar o que sinto ao ouvi-la.

O Arqueólogo

Trecho de uma placa de barro claro com escrita cuneiforme em colunas

Nabucodonosor ajoelhado

observa tensamente sobre a terra

um bloquinho de argila já secado

– ou melhor, só a ponta. Desenterra

o resto da plaquinha com cuidado

pois sabe que este barro duro encerra,

em marcas já não tão bem definidas,

palavras há milênios esquecidas.

Com medo de causar-lhe dano, escava

a tábua, que lhe impinge um outro medo:

que poder tem o texto que gravava

o escriba muitos séculos mais cedo?

É uma maldição tremenda e brava

que está escrita ali? Ou um segredo

sombrio, poderoso e moribundo

numa língua banida deste mundo?

Seria a voz de Anu, o poderoso,

sobre a argila úmida prensada?

A dor de um Dumuzi lamurioso

morrendo pela Inana namorada?

Os versos dedicados pelo esposo

escriba para sua idosa amada

gravados meios displicentemente

durante um mais tranquilo expediente?

Talvez seja a história de Sargão

saindo lá de Acade, a sua terra,

levando seu império em direção

ao Mar Vermelho através da guerra,

criando um reino cuja imensidão

antes não teve igual em toda a Terra

– mas que era tão pequeno comparado

ao do rei que escavava o barro assado…

E assim, temente como os velhos sábios,

mas empolgado como uma criança,

Nabucodonosor abria os lábios

num riso de feliz desconfiança.

Que sensação feroz os alfarrábios

perdidos lhe causavam, que esperança!

Igual só sentiria o escavador

das placas de Nabucodonosor.

Fotografia preto e branco em tons de sépia. Hormuzd Rassam, utilizando turbante listrado, barba e bigode, reclinado sobre cadeira e vestido à moda otomana.

Primavera Árabe

Estou fazendo um curso sobre Relações Internacionais na plataforma Trilhas do Instituto Legislativo Brasileiro. Tive de participar de um fórum sobre a Primavera Árabe. O texto ficou grande, mas não sei se está bom e certamente está desatualizado. De qualquer forma, como deu um belo trabalho que quero publicar coisas aqui, ei-lo.

Possíveis causas

As manifestações populares contra governos autoritários no Oriente Médio árabe exemplificam bem as complexidades inerente ao estudo das relações internacionais. Mesmo sendo o Oriente Médio uma região de valor estratégico e, portanto, um objeto de inúmeros estudos pormenorizados, a chamada Primavera Árabe foi uma surpresa tanto para os governantes dos países quanto para os atores internacionais estrangeiros.

Um fator frequentemente apontado como causa dos eventos foi a disponibilidade de softwares online para redes sociais que permitiriam que os protestos fossem organizados. Embora pareça justo atribuir um papel considerável à Internet nas revoluções, seja como meio de comunicação dos organizadores, seja como fonte de informação política, eu me alinho aos analistas que julgam este papel exagerado. Em que pese todas as vantagens de se organizar uma revolução utilizando ferramentas modernas, já houve reviravoltas tão amplas sem tanto suporte tecnológico, como a queda do Comunismo na Europa Oriental e a Primavera dos Povos em 1848.

O combustível dos protestos, eu diria, é a existência de uma classe média jovem, bem educada e sem perspectivas. Assim, não é de se surpreender que a onda de mudança surgisse justamente na Tunísia, um país com população relativamente bem educada, e seguisse para o Egito. A faísca que estourou as revoltas, como sabemos, foi o suicídio do jovem tunisiano Mohamed Bouazizi que explicitou a insatisfação popular que já existia, mas cuja repressão levou a se esconder. Sua atitude o tornou um mártir da causa.

As alianças com o Atlântico Norte e seu efeito sobre os regimes

Também é notável que as revoluções – e as quedas – tenham começado e obtido maior sucesso na Tunísia e no Egito. Os governantes depostos destes países mantinham boas relações – e até alianças – com as potências do Atlântico Norte. Há quem comente que, justamente por isto, estas nações tenham sido mais reticentes em esmagar as revoltas. Estados Unidos e Europa, assim, seriam o superego destes ditadores, impedindo que manifestem a violência vista em países fora deste eixo, como Síria e Líbia.Por outro lado, esta tese falha quando nos lembramos que o governo do Bahrein, importante aliado dos EUA onde fica a sede da frota americana no Oriente Médio, tem combatido os protestantes com violência não muito diversa da vista na Síria, inclusive com apoio de soldados sauditas.

É possível que o custo de se abrir mão do governo aliado no Bahrein fosse muito maior, na perspectiva das potências ocidentais, do que o custo de dispensar Hosni Mubarak, que fora até reticentemente apoiado pelos líderes estadunidenses. É compreensível: o Egito não possui um movimento fundamentalista forte, tem uma população diversificada e o Exército egípcio seria o fiel da balança a garantir estabilidade e um mínimo de laicidade ao estado; além disto, estrategicamente sua importância é grande mas menor que a de outros países na região. Nesse contexto, a queda de Hosni Mubarak é um evento sem grandes riscos. Além disto, não obstruir sua queda permitiria às potências ocidentais ressaltar sua imagem de defensores da democracia.

Já o Bahrein, além de ser estrategicamente bem localizado próximo do Irã, já possuir pesados investimentos militares dos americanos e ainda estar em área de forte influência Irã, tanto pela proximidade quanto por sua maioria populacional xiita, seria um aliado muito mais valioso para os Estados Unidos – a ponto da potência fazer vistas grossas ao abuso dos direitos humanos.

As perspectivas de Israel

Dos países não abalados diretamente pela Primavera Árabe, o mais afetado e mais apreensivo é Israel. A pequena potência do Oriente Médio viu um dos seus raros aliados na região, Mubarak, cair, e não sabe o que esperar do Egito. Sua preocupação é tanta que, no início das revoluções, seu primeiro-ministro chegou a criticar os Estados Unidos por não dar apoio ao ditador egípcio. Provavelmente Bahrein também é alvo de sua aflição, posto que a queda do governo atual aumentaria as possibilidades de influência do Irã.

Mesmo as dificuldades que Assad vêm passando podem ser negativas para a nação judaica. Embora a Síria esteja, em tese, em guerra com Israel, Assad se mostrou um governante relativamente transigente – houve avanços em negociações com Israel, e até início de negociações de paz mediadas por terceiros em seu governo. Mesmo que Assad não se mostre um aliado de Israel e seja até mesmo hostil, não se sabe quem poderá subir ao poder em seu lugar.

(Embora a Síria seja constantemente descrita como um aliado do Irã, o relacionamento do governo sírio com o país persa é muito mais conturbado. Algumas fontes que leio, como Gustavo Chacra, afirmam que interesses comuns podem levar as duas nações a ações conjuntas, mas a Síria tem seus interesses próprios, por vezes conflitantes com os dos aiatolás. Se assim não fosse, o relacionamento com Israel seria muito pior, e Assad não tentaria passar a imagem de governante laico moderado para o Ocidente. Com a queda do médico autocrata, a influência iraniana na Síria poderia ser bem maior – ou não, mas a política externa realista de Israel não parece estar disposta a fazer esta aposta).

O conflito na Líbia

Os levantes na Líbia, por sua vez, parecem seguir um padrão diferente. Ao contrário do que ocorrem no Egito, Tunísia etc. os protestos começaram aparentemente da mesma maneira que nestes países mas a repressão violentíssima de Kadafi acabou resultando em uma guerra civil. (Quando vi que os protestos “pularam” da Tunísia para o Egito, perguntei-me por que não passaram pelo país aí entre os dois – e depois me lembrei que era a Líbia, ainda mais repressiva. Ao saber que os protestos estouraram lá também, senti certa tristeza, porque sabia que não terminariam sem muito derramamento de sangue – e que os manifestantes teriam de terminar o que começaram, sob pena de morrerem todos).

A Líbia é um país um tanto diferente dos demais. Sua população é dividida em tribos, que se aliam ou se confrontam entre si. Quando as manifestações começaram, algumas tribos viram a oportunidade para tentar derrubar Kadafi, e por isto a situação degenerou em guerra civil.

As potências do Atlântico Norte ficaram um tanto confusas sobre o que fazer, até decidirem intervir. O posicionamento mais curioso, para mim, foi o da França de Sarkozy, que chegou ao ponto de reconhecer as forças rebeldes ainda fracas como governo legítimo da Líbia. A própria intervenção dos outros países, porém, levanta uma série de questões. Primeiramente, retiraria ela a legitimidade dos protestos? Uma intervenção estrangeira poderia servir como evidência para o discurso kadafista de ingerência internacional.

Ademais, se a intervenção é apenas para impedir crimes de guerra, os interventores não estarão alinhados aos rebeldes. E se os rebeldes forem derrotados, como os países que intervieram iriam lidar com Kadafi, que tem longo histórico de suporte a causas terroristas, inclusive várias não direta ou claramente alinhadas com seus interesses? Por sinal, eu chuto (e aqui o chute é pessoal, não li isso realmente) que é possível Kadafi chegar a um acordo com os rebeldes, o que pode trazer bastante dor de cabeça às nações que intervieram.

Enfim, o conflito líbio tem um perfil diferente das demais revoluções árabes, e tem causado bastante transtorno às potências ocidentais. Seu desfecho é o menos previsível de todos, pois podem ser vários.

Uma dica sobre investimentos

Por volta de 2007, cresceu explosivamente o interesse por investimentos, especialmente na Bolsa. O blog Dinheirama é mais ou menos desta época. Também foi por este período que Alessandro Martins, blogueiro já conhecido, iniciou seu blog sobre investimentos na bolsa. Estes foram só alguns dos sites que surgiram sobre o tema de investimentos e Bolsa. O assunto tomava as mesas de bar, todos queriam queriam participar do bolo e “ajudar o país”. Com a crise de 2008, a empolgação diminuiu tanto quanto as cotações dos papéis.

É uma pena. No Brasil, não há muito conhecimento e interesses sobre investimentos. As pessoas, no máxi apenas mo, têm uma poupança – até juntam, mas não aplicam. Entretanto, há investimentos com rentabilidade maior, alguns com riscos iguais ao da poupança. Com a propagação do medo, muitas pessoas acabaram fugindo destes bons investimentos ou nem tiveram tempo de conhecê-los.

De qualquer forma, mesmo a empolgação financeira de 2007 falhava em conquistar boa parte destas pessoas. As discussões focavam-se em investimentos arrojados, ou que dependiam de muito capital. Conversas, praticamente apenas sobre pôr dinheiro na Bolsa, sobre quais ações comprar, técnicas grafistas etc. Eventualmente, falava-se sobre outros investimentos e práticas financeiras, mas ainda assim eram fora da realidade de muita gente. Investimentos pareciam complicados, perigosos e caros. Muita gente, incluindo eu mesmo, ficou então apenas olhando de fora, tentando aprender com as observações antes de entramos no louco mundo dos investimentos.

Por isto, foi com surpresa e alegria que saí de uma palestra da XP Educação. Lá, eles me passaram muito mais confiança que qualquer outra instituição falando sobre o assunto. Mostraram, também, que há investimentos muito seguros e simples de entender. Ensinaram que era uma má ideia, digamos, deixar o dinheiro na poupança ao invés de aproveitar estes investimentos mais acessíveis. Como o palestrante que assisti falava a minha língua e entendia os aspectos emocionais e de renda dos vários perfis, me senti bastante confiante. Acabei fechando negócios com a corretora deles, XP Invesimentos, e investi em um dos seus fundos. Até agora, valeu muito a pena, tenho obtido ótimos rendimentos e sou sempre bem atendido e aconselhado.

Não posso pôr a mão no fogo pela empresa, naturalmente, mas pus meu dinheiro no fogo e não me arrependi. Se você tem interesse por investimentos mais rentáveis que poupança, ao menos assista uma das palestras do pessoal da XP. Eles possuem vários escritórios, eu fui neste de Brasília. Se as palestras forem tão boas quanto as que eu vi, você verá que investimentos financeiros são bem menos onimosos do que parecem, e que é fácil e compensador melhorar um pouco os seus. (Aliás, se você está tão mal financeiramente que nem pensa em investimentos, eles têm um curso sobre saúde financeira também. Uma conhecida fez e disse que é ótimo.)

Esta postagem, infelizmente, não é paga. Se alguém souber como resolver este pequeno problema técnico, aceitamos sugestões.

Redes sociais e comentários de blogs

Hoje, vi este post do Alex Castro nos itens compartilhados do Google Reader. Ironicamente, o post, que fala sobre como comenta-se menos em blogs e mais em redes sociais, gerou uma bela discussão no Google Reader que o autor não verá.

O problema do LLL é um pouco maior que a tecnologia. Para muita gente, ele está ficando mais e mais desinteressante – para mim também, por sinal. Entretanto, as pessoas de fato abandonam os blogs e comentam nas redes sociais. Meu segundo maior sucesso na Internet*, por exemplo, gerou umas três threads ricas de comentários que eu vi no Buzz, mas poucos comentários no artigo. Talvez tenha havido outras discussões sobre este texto que nunca lerei.

Muita gente disse que o post do Alex era “mimimi” – o próprio autor diz isto no título. Apesar disto, a reclamação, típica do Classe Média Sofre, é justa. Para quem mantém o blog pelos comentários, perdê-los é algo ruim. Há blogueiros que mandam sua mensagem em um broadcast simplex – não precisam da resposta e nem sequer esperam ser lidos, necessariamente – mas há aqueles que querem o diálogo. Se ele escreve para conversar, é justo que faça uma campanha para que isto aconteça.

O problema é maior, porém, porque até nós leitores perdemos algo neste cenário. Em blogs com comentadores recorrentes há o diálogo inesperado, o conflito, o desafio às ideias preconcebidas. No LLL, por exemplo, ao post seguem-se os comentários da aiaiai concordando com tudo que o autor diz, o Paulo falando como se fosse John Galt, o Jorge Nobre fazendo copia-e-cola daquele textinho meio nonsense, a Indy escrevendo coisas meio difíceis de entender… Enfim, há diversidade em um blog. O LLL é só um exemplo, há outros ainda mais notáveis, como o Na Prática a Teoria É Outra, o antigo blog do Pedro Doria etc.

Isto não acontece em uma rede social. No Facebook, Google Reader etc. tendemos a seguir pessoas que conhecemos e com quem concordamos. Somos todos convertidos pregando uns para os outros, satirizando nossos inimigos e argumentando contra o espantalho deles. Não temos mais acesso à discordância. Estes dias mesmo, fui espinafrado em uma discussão numa thread do Google Reader de outra pessoa que sigo, quando tentei inquirir mais rispidamente alguém de quem eu discordava. Nada mais justo, aliás: rede social é para isto mesmo, falar com os amigos, reencontrá-los. Eu tenho uma abordagem diferente – discussões que passam dos cem comentários são tão comuns no meu Google Reader/Buzz que ganharam o apelido de Adam-threads – mas o correto é que minha abordagem se aplique apenas a meu território e eu respeite o alheio.

Redes sociais não são ruins, e têm a vantagem de justamente serem mais amenas, mas o incesto ideológico não é tão saudável. Por isto, comentários em blogs têm seu valor, e é uma pena que se reduzam. O que podemos fazer, então?

Na thread sobre o texto do Alex, alguém já perguntou se havia ferramentas para notificar o autor sobre comentários a seus posts. Há uma limitação a esta abordagem – que já apontaram lá, inclusive – que é a violação da privacidade. Entretanto, comentários públicos podem ser buscados e existem ferramentas para facilitar este trabalho. No Twitter, há as pesquisas salvas. Os alertas do Google são muito úteis, também. São soluções limitadas, mas é bom conhecê-las.

Além disto, talvez valha uma nova etiqueta. Quando um texto que compartilho gera um belo debate, posto o link no blog do autor. Pode ser um bom hábito. Os blogueiros também podem agir. Na thread que citei, muitas pessoas comentaram como vários blogueiros são desagradáveis ou pouco acessíveis. Se querem os comentários de volta, há também o que os autores podem fazer.

A nova dinâmica da Internet é surpreendente. Ao mesmo tempo em que reforçam amizades, também podem levar a bolsões de ideias concordantes. Esta é a face negativa de um grande avanço, mas não precisamos nos subordinar a elas. Com tempo, ferramentas e práticas corretas, poderemos ao menos recuperar um pouco do mundo passado.

* Meu maior sucesso na Internet foi alguém, em nome do Felipeh Campos, me ameaçar de processar-me por uma votação da Wikipédia.

Repasses para o Maranhão

Muita gente se impressionou com o tamanho dos repasses para o Maranhão no Para onde foi meu dinheiro?. É o maior repasse a estados. Como fiquei curioso sobre porque é assim, corri atrás para tentar entender…

A situação é bem embaralhada mas interessante, de qualquer forma. Segue resumo da minha jornada.

IMPORTANTE! Tem resuminho maroto no final.

Não sei nada sobre o repasses federais, mas a princípio não estranhei nem “desestranhei” o valor repassado para o Maranhão porque não sei como são as regras para as transferências constitucionais. Então, fiz uma busca rápida e caí nesta página do Tesouro Nacional que esclarece que:

Dentre as principais transferências da União para os Estados, o DF e os Municípios, previstas na Constituição, destacam-se: o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE); o Fundo de Participação dos Municípios (FPM); o Fundo de Compensação pela Exportação de Produtos Industrializados – FPEX; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb; e o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR.

Fiquei meio frustrado porque vi que é muita coisa para calcular nos intervalos dos pomodoros… De qualquer forma, fui ver como se distribui o FPE, ao menos. Descobri que o fundo é regido pelo artigo 159 da Constituição Federal. Nele, não encontrei nada sobre a lógica da distribuição, mas descobri que a Lei Complementar 62/1989 explica – em parte – como distribuir os valores. Por exemplo, afirma que do valor a ser distribuído…

85% (oitenta e cinco por cento) às Unidades da Federação integrantes das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste;

Bem, 85% vai para 75% dos estados, já deve dar um desequilíbrio… mas ainda não tão grande. Além disto, a LC não fala claramente como o valor se divide entre os estados. A única coisa que consegui encontrar na lei foi que

Art. 5° O Tribunal de Contas da União efetuará o cálculo das quotas referentes aos Fundos de Participação

Lá vou eu procurar como o TCU faz este cálculo. Encontro este lindo PDF que diz, na página 11, que

Para se calcular o valor da cota do FPE devido a cada Unidade da Federação em cada distribuição, multiplica-se o montante do FPE a ser distribuído pelo coeficiente individual, definido no Anexo da Lei Complementar no 62/1989

Oras, então a LC que eu li já tinha a resposta… Fui ver a tabela, que era meio bagunçada. Para facilitar a análise, ordenei os dados, do menor coeficiente ao maior. Esta é a tabela com coeficientes e estados, já ordenada:

0.6902 Distrito Federal
1.0000 São Paulo
1.2798 Santa Catarina
1.3320 Mato Grosso do Sul
1.5000 Espírito Santo
1.5277 Rio de Janeiro
2.3079 Mato Grosso
2.3548 Rio Grande do Sul
2.4807 Roraima
2.7904 Amazonas
2.8156 Rondônia
2.8431 Goiás
2.8832 Paraná
3.4120 Amapá
3.4210 Acre
4.1553 Sergipe
4.1601 Alagoas
4.1779 Rio Grande do Norte
4.3214 Piauí
4.3400 Tocantins
4.4545 Minas Gerais
4.7889 Paraíba
6.1120 Pará
6.9002 Pernambuco
7.2182 Maranhão
7.3369 Ceará
9.3962 Bahia

Nota-se que o Maranhão tem o terceiro maior coeficiente da maior parte (85%) do fundo, então é bem razoável que ele ganhe bastante. Eu procurei as razões para as cotas serem estas, mas não encontrei, infelizmente. Depois procuro melhor, mas vejo um padrão aí: parece (veja bem, só parece) que tem alguma correlação com a pobreza do estado. Faria sentido porque afinal dão maior parte do dinheiro às regiões mais pobres… mas é um chute, apenas.

De qualquer forma, isto não explica a discrepância porque, se fosse esta a única causa da desproporção, Ceará e Bahia ganhariam ainda mais que Maranhão. Bem, não esperava que fosse explicar mesmo: lembrem que há outros repasses, só explorei um, por curiosidade. Quem for mais a fundo na investigação conte-nos depois o que descobriu.

Enfim, tem alguma lógica e muita lei sobre por que o valor do Maranhão é tão alto. Pode até haver mutreta, mas o esquema não parece tão esculhambado quanto uma mera ligação do Sarney para o Ministério da Fazenda.

Se ainda assim lhe causa revolta este repasse, comemore: ele não será mais assim em breve. Segundo esta reportagem, a LC 62/89 foi julgada inconstitucional em parte (ou ao menos sua aplicação foi assim julgada) porque os coeficientes já deveriam ter sido recalculados em 1992! Em 2013 já deve haver novas cotas. Esta notícia também ressalta o argumento de alguns estados de que rolou politicagem na definição dos coeficientes:

O fundamento das ações é o de que […] Além disso, os coeficientes teriam sido estabelecidos de maneira arbitrária por acordos políticos costurados à época.

RESUMO MAROTO: a distribuição dos valores provavelmente não foi justa ou, se foi, está desatualizada, mas também pode não ter sido tão injusta quanto pensamos. Ademais, o cenário é muito mais complicado e é importante entender, no mínimo, que o cenário é sempre muito mais complicado 🙂

Até!

Partido dos Trabalhadores

Estes dias, vi nos Trending Topics do Twitter a tag #pt31anos e por sua contrapartida, #corruptosday. Aparentemente, era aniversário do partido. Isto acabou me motivando a terminar uma postagem que comecei a algum tempo, mas vinha sempre postergando. Ei-la.

Estrela vermelha com as letras "PT" escritas ao meio, em branco, com fonte não serifada

Quando eu era adolescente, me filiei ao Partido dos Trabalhadores (PT) formalmente (embora nunca tenha pegado a carteirinha). Um amigo havia me convidado para umas duas reuniões do partido, às quais eu fui. Depois, me convidou a me filiar, o que fiz. Não foi uma decisão bem analisada: apesar de ter simpatia pelo partido – como não, se era quase unânime o valor do partido entre meus professores, por exemplo? – não havia realmente analisado o significado de me filiar e sequer conhecia as alternativas. O tempo passou, imagino que não seja mais filiado – nem tenho interesse, em verdade. Apesar disto, os seis candidatos em que votei na última eleição ou pertenciam ao Partido dos Trabalhadores ou à sua base aliada. Nas eleições de 2002 e 2006, não fiz nada muito diferente. Se votei tão consistentemente no partido, por que não me filio novamente?

A principal razão é que, hoje, discordo das ideias. Mesmo com o ajuste das ideias econômicas e superação do PT pré-2002, ainda é muito intervencionista. Embora respeite seus componentes – movimentos sociais -, eles querem estatizar, controlar demais a sociedade. Estou um tanto liberal demais para lidar com o PT como um todo, embora alinhe a gente como Palocci e Celso de Barros. Enfim, o PT não é o partido das minhas ideias.

Apesar disto, o PT tem muito do meu respeito. Para começar, no DF é o grande opositor do caudilho local, Joaquim Roriz. Embora o PT do DF seja fraco nacionalmente, é a única barreira ao coronelismo. Por isto mesmo votei em Agnelo, que nem conheço muito. Além disso, apesar dos podres, o PT ainda tem bastante quadros mais idôneos que a média. Os deputados em quem votei, Chico Leite e Paulo Tadeu, não possuem graves acusações até onde sei. (Paulo Tadeu pode ser meio fraco de trabalho, porém.) A aura de vestal sumiu – o que pode ser bom em alguns aspectos – mas quase sempre o candidato petista é melhor que o rorizista.

Mais do que tudo, respeito o PT por ser um partido muito democrático. É curioso que tenha sido pintado como um espantalho stalinista: se há algo que o PT sempre foi, é diverso. Lembro até hoje da charge que vi em 1995, que representava o PT como um saco de gatos – cada gato uma facção. Nada mais longe do exército comunista que se imagina em alguns setores oposicionistas. Aliás, o PT nasceu mais da união de movimentos sociais que de um projeto socialista, conforme se vê em seu manifesto. Por isso mesmo sempre foi confuso, mas sempre foi democrático, um partido com militância na rua e decisões em assembleias – e a prova maior disto é que eu, um insignificante estudante de escola pública, fui convidado a participar dele!

Hoje, é verdade, a diversidade se reduziu. Os mais ligados ao socialismo e os menos tolerantes ao jogo sujo da politica foram para o PSOL. Surpreendi-me ao ver o aborto tão valorizado no programa petista, pois os movimentos católicos sempre foram muito importantes no partido. (Fica a pergunta: pularam do barco ou perderam força?) Aparentemente, o militante das ruas perdeu um pouco da voz antiga.

Apesar de tudo, e por mais que eu discorde de diversas propostas do partido (desenvolvimentismo, regulamentação, manutenção modelo sindicalista atual etc.), o PT me parece, no mínimo, uma oposição respeitável ao que defendo. Sua atuação no governo federal foi excelente (devendo muito ao de FHC, sempre é válido lembrar). Formou quadros valiosos. Basta ver as “terceiras vias”, os presidenciáveis que foram escolhidos como uma alternativa entre a manutenção do PT no poder e o retorno ao PSDB nas duas últimas eleições: Heloísa Helena, Cristóvam Buarque, Plínio de Arruda, Marina Silva, todos foram petistas históricos. É inclusive intrigante ver tanta gente que repudia o PT votar em seus antigos membros. Ademais, que outro partido no Brasil consegue fazer um doutor de Oxford ir panfletar?

Se o PT fosse mais liberal economicamente, poderia ser meu partido. Provavelmente não o vai ser, e terei de continuar procurando meu partido. Apesar disto, tenho ainda consideração pelo PT e, dado o cenário político atual e os sinais enviados pela presidente, o partido provavelmente estará mais próximo de ser aliado que oposição para mim.

Aberturas de Duck Tales em vários idiomas

Eu queria escrever algo interessante aqui, e há muita coisa que até queria comentar, mas no momento tenho consciência da minha irrelevância e ignorância. Além disso, a Internet me pediu para escrever um post cheio de aberturas de Duck Tales em vários idiomas. Refestele-se.

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Mar

Eu nunca gostei muito do mar. Deve ser coisa de quem nasceu no cerrado, mas o mar também não ajuda.

Mar de Ipanema, em uma cor semelhante a turquesa, com uma onda e três banhistas. Céu azul limpo e uma ilha no horizone.

O mar sujou a lente da minha câmera fotográfica >:(

Por exemplo, o mar não é tão romântico quanto se pinta. Veja só, quando minha namorada veio do Distrito Federal para cá, eu lhe dei uma rosa, que ela deixou aqui quando voltou para casa. Eu não iria simplesmente jogar a rosa no lixo, oras: fui à Pedra do Leme e joguei a rosa ao mar, pensando nela… Quando contei isso à namorada, ela perguntou se eu disse algo como “Mar, leve esta rosa para meu amor”. Obviamente, eu não pensei: o mar não iria chegar ao Distrito Federal… Assim, mesmo depois de todos os meus esforços, o mar quebrou o clima.

Em primeiro plano, plantas rasteiras. Depois, rochedos. Após, o mar azul com ondas e, no horizonte, céu azul e algumas ilhas.

Olhando assim, nem parece um lugar terrível

Entretanto, o pior do mar é o medo que me causa. Como posso saber que a água não está cheia de esgoto? Que não há alguma  toxina mortal ali? E o risco de ser devorado por uma água-viva? Pior ainda: se já existem seres como cobras-do-mar, ouriços-do-mar, escorpiões-do-mar, quem garante que não surgirá um ebola-do-mar, e eu serei o paciente zero? Ideia ridícula, me dizem, isto nunca aconteceria. Ficaram nessa conversa de “isto nunca aconteceria” sobre o mar até que, do nada, surgiu a vida.

Uma praia com areia branca e mar azul ao fundo. Vários guarda-sóis vermelhos e pessoas na areia.

Vítimas indefesas

A verdade é que o mar do Rio de Janeiro também não ajuda. O mar de Copacabana, por exemplo, é muito forte. Eu mesmo, um marmanjo de 100 kg distribuídos em 1,85 m, começo sempre brincando e termino me arrastando para o calçadão com as costas em carne viva e fratura exposta. Essa violência toda deve ser bullying contra novatos, só porque estou aqui há somente alguns meses e o mar há uns quatro bilhões de anos.

Ok, essa parte aqui até é bonitinha

Mas podem escrever: não me darei por vencido! Todo fim-de-semana que passo no Rio, faço questão de andar por toda a praia de Copacabana até o Leblon. Ainda aprenderei a gostar do mar! Neste dia, poderei, finalmente, sair de todos os flamewars políticos, econômicos, religiosos, culturais e técnicos dizendo que bom mesmo é praia.

Pedra do Leme: fotografia tirada de cima de um rochedo (a Pedra do Leme). Vê-se parte do rochedo em primeiro plano, com várias pessoas nele. Abaixo, as areias de uma praia e um mar azul escuro. Ao fundo, céu claro no horizonte e alguns prédios à esquerda.

Na verdade, estou brincando, já aprendi a gostar do mar. Meu negócio é dar vontade em vocês com essas fotografias.