O dia em que se declarou a Guerra da Previdência

A aprovação da reforma da Previdência despertou um turbilhão emocional em mim. Resolvi então desabafar em uma thread no Twitter, e me pediram em em forma de texto. Sei que há bots que fazem isso, mas nada melhor que postar no blog! Down with the internet siloes, afinal.

Enfim, sou explicitamente à favor da reforma por dois motivos: para a Previdência ser mais justa e mais sustentável. Na minha opinião ignorante, esta reforma cumpre os dois propósitos mais ou menos bem. Logo, acho bom que seja aprovada.

Contudo, quando vi as comemorações de alguns outros pró-reforma, fiquei bem incomodado. Vi gente (que aliás respeito e acompanho) caçoando de quem era contra, mas mesmo quem se portou melhor comemorava ter vencido esta “batalha” e, em breve, a “guerra.” Veja, eu concordo com essas pessoas, mas isso me caiu mal para caramba. Nem sabia por quê!

Refleti e acho que posso explicar assim. Os defensores da reforma batalharam muito por uma mudança fundamental ao país. Conseguiram, de fato, uma vitória enorme. Sua comemoração me lembrou aquelas fotos americanas do fim da Segunda Guerra, pessoas dançando nas ruas.

Fonte: History Daily

Só que a reforma não é o fim de uma guerra – pelo contrário, é o começo. O que ocorreu sexta não foi o 8 de maio de 1945, quando soldados voltavam para casa. Foi o 11 de dezembro de 1941, quando o Congresso americano resolveu mandá-los à guerra.

Por quê? Porque o trabalhador vai ter de trabalhar mais. Quem vai à guerra é o trabalhador, ou melhor, vai ficar mais alguns anos lá.

Note que eu não acho isso errado. Eu já sabia que isso ia acontecer: igualar os regimes trará alguma justiça, mas a sustentabilidade só virá se praticamente todos pagarem mais. Só que, quando começaram a comemorar e, especialmente, a caçoar… foi como se os congressistas americanos fizessem um baile de máscaras enquanto os soldados embarcassem para a Europa.

Um exemplo concreto de como vejo. Comentou-se muito como a maioria dos mais pobres (digamos, pedreiros), já se aposentam por idade. Logo, a nova regra não mudaria nada para essa maioria. Isto é excelente! Mas alguns certamente se aposentam antes, por contribuição. Sexta, foi dito a estes: “Isto não é mais possível: você vai ter de carregar tijolo até os 65 anos, amigão. Você foi contra? Então com licença, que agora vou rir do seu terraplanismo previdenciário.”

(Na verdade, há alternativas. Previdência complementar, por exemplo. Mas isso está distante da realidade da maioria, é caro e demanda muito conhecimento. E com o aumento da demanda, a quantidade de produtos bosta dos bancos vai crescer também.)

Note que entendo completamente a comemoração! Muitos destes são profissionais muito estudados, que viram o óbvio, lutaram por anos pelo que é melhor (por doloroso que seja) e estão vencendo. Há trabalhos de uma vida nessa aprovação.

Ainda assim, até a esses vale pedir bom senso. Até porque, na prática, duvido que a maioria dos economistas liberais sejam realmente afetados pela reforma: são profissionais super-especializadas com salários enormes cujo desempenho cresce com a idade. Ao chegar aos 65, provavelmente sequer vão se aposentar de fato. Os ganhos e as oportunidades são tão grandes (como professores universitários, autores, políticos) que vale a pena continuar trabalhando.

Nada contra isso, alias. E novamente, eles estão certos no que defendem. Contudo, ainda assim estão tão distantes da realidade da maioria que não conseguem respeitar quem vai contra essa mudança. Acrescentar mais cinco anos de trabalho a um professor de crianças não é o mesmo que fazer um burocrata trabalhar mais cinco anos.

E aqui faço um desvio para falar do liberalismo em geral: além de perverso, a falta de sobriedade pode ter um preço caríssimo.

Olhem as hordas pedindo pelo fim do mundo globalizado, da democracia liberal. Como essas pessoas ficaram assim? Bem possivelmente, viram burocratas bem remunerados tomando decisões (corretas!) que lhes doíam. Com sorte, a única empatia que recebiam era um lip service de “entendo que é duro, mas…” Na maioria das vezes, quem discorda recebe um gráfico complicado e uma tabela cheia de siglas na cara. Se nesse supertrunfo não tiver uma carta maior, deve se calar; se tiver, vai ganhar um “é, pode ser” como resposta.

Isso é terrível! O liberalismo comemora uma vitória (em aliança com um presidente que venera torturador e indica filho a embaixada!) como se uma onda acachapante de desejo de liberdade econômica tivesse varrido o país. Não foi isso. É desesperança: o povo aceita sacrifícios por desespero. E não tem outro caminho: não vai dar para pagar, é preciso cortar! O Brasil entendeu isso como nunca antes. Só que se não houver respeito pelo sacrifício alheio, nós, que nunca o sofreremos o grosso desse sacrifício, nós seremos os primeiros bodes expiatórios quando a autocracia se consolidar.

Como sempre, a chance de eu estar falando abobrinhas é muito grande… mas não acho que esteja sozinho desta vez. Lembram-se do manifesto de The Economist nos seus 175 anos? Em um trecho, diz-se isso:

Yet ruling liberals have often sheltered themselves from the gales of creative destruction. Cushy professions such as law are protected by fatuous regulations. University professors enjoy tenure even as they preach the virtues of the open society. Financiers were spared the worst of the financial crisis when their employers were bailed out with taxpayers’ money.

A manifesto for renewing liberalism

Alguém negaria que parece descrever justamente muitos de nós, defensores da Nova Previdência?

Então, mesmo sendo um zé-ruela qualquer da Internet, faço esse convite geral aos pró-reforma: sejamos sóbrios. Por empatia, e também por cálculo.

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