De um livro a outro

Livro "Orgulho e Preconceito"

Orgulho e Preconceito

Terminei de ler Crime e castigo esta semana e comecei a ler Orgulho e preconceito. O efeito de começar a ler o livro de Jane Austen depois do de Dostoiévski é semelhante ao de sair de um quartinho escuro de São Petersburgo diretamente para os campos verdejantes de Hertfordshire: os olhos ardem com a luminosidade exagerada.

Crime e castigo é um livro forte, dramático, triste, tenso; esperava aliviar a tensão do livro lendo algo mais leve. Orgulho e preconceito é um livro suave e divertido, então foi o candidato natural, mas não dá. Lê-lo agora me dá vontade de matar Miss Bennet a machadadas. Jane Austen me conquistou com a primeira página deste livro – mas não estou em condições de lê-lo.

Vou ler algo intermediário. Talvez Moby Dick, talvez O vermelho e o negro (sobre o que não sei nada, mas não pode ser tão triste quanto minha leitura anterior nem tão feliz quanto minha leitura atual). Talvez reler algo, como Morro dos Ventos Uivantes, que marcou minha adolescência, ou Coração das Trevas, que não compreendi bem. (Sim, Crime e Castigo é ainda mais triste que estes livros.) Ademais, essa semana ganhei meu terceiro Os Lusíadas; é possível que seja um recado para eu lê-lo e passar do canto quinto. Ou para devolver o volume que peguei de uma biblioteca.

PS: todos os livros citados, incluindo Os Lusíadas, fazem parte desta coleção da Editora Abril, que recomendo enfaticamente, mesmo sem receber nada por isso. Você fica aí todo revoltadinho dizendo que o presidente do Brasil não tem cultura? Então comece a adquirir cultura você mesmo! De quebra, ainda vai suportar seu tabloide preferido.

O protesto do ipê

Os ipês em Brasília, tão sisudos
que passam quase o ano todo mudos,
fiscalizam o clima da cidade
com sua verdolenga austeridade.
Sua seriedade é tão pesada
que, quando a chuva flui e é festejada
pelas plantas, que riem se florindo,
o ipê se fecha, só verde emitindo;
mas quando chega a seca e as folhas caem,
as folhas do ipê também se esvaem
e mesmo assim caçoa da secada
flora numa dourada gargalhada.
Mas este ano a chuva permanece!
a árvore verdeja! a grama cresce!
e, como a seca não se apresenta,
floresce o arbusto tanto quanto aguenta.
Pobre ipê! Pois a festa continua
na época que já fora só sua;
e ele só consegue, bravo e belo,
protestar em um tom verde-amarelo.

Por que votarei em Dilma Rousseff

A não ser que algo grande aconteça, devo votar na Dilma Rousseff. Abaixo, tento apresentar as razões que levam alguém como eu, que nunca fumou crack, a ser um petralha totalitário e corrupto.

Não é um texto para pregar aos convertidos – quero falar a quem discorda de mim – nem para pregar aos hereges – senão, nem publicaria tão próximo da eleição. Não quero convencer ninguém, mas apresentar razões por que alguém como eu, membro da classe média com curso superior, emprego e algum interesse por política, votaria em Dilma Rousseff, já que muita gente se pergunta isto. Pode haver várias falhas nos meus argumentos, mas isto faz parte do projeto: aqui, não busco tanto estar certo quanto apresentar minhas ideias neste momento, por confusas que sejam. Espero, com isto, abrir um debate mais consistente e interessante.

José Serra

Homem calvo vestindo paletó e gravata pretos, e camisa branca, à frente de cortinas brancas

Sou uma das poucas pessoas que votariam no José Serra por quem ele é. Quase todos os seus eleitores votam nele para tentar evitar a vitória petista. Eu, porém, considero Serra um político com história e considerável seriedade, embora o pouco que eu tenha acompanhado de seus governos paulistano e paulista pareça fraco. Acredito que ele poderia ser um bom presidente, provavelmente até melhor do que fora como governador, porque ele realmente trabalhou para chegar lá.

O que me incomoda nele é a companhia. Talvez pelo esvaziamento da oposição – os políticos opositores menores se aliaram ao governo – ele se viu obrigado a se aliar ao conservadorismo mais vocal, que se opõe acrítica e sistematicamente ao governo atual. Serra está acima dos objetivos desses grupos – mas não de sua influência. Pelo contrário: tendo o DEM como o principal coligado, cedeu a vaga de candidato a vice-presidente a Índio da Costa, um político que não está à altura do cargo e que repercute os piores preconceitos da oposição. Isso quando ficou quase certo que seu vice seria Álvaro Dias, um candidato muito mais experiente e interessante. Trocar um pelo outro – algo que me parece um dos erros políticos mais grosseiros desta eleição – mostra como a oposição mais conservadora têm um peso muito maior na chapa serrista do que eu gostaria.

Entretanto, mesmo estes aliados sabem que não há chance de vencer com seu discurso. É por isso que Serra tentou se vender como um continuador da obra de Lula – algo que ele provavelmente quer ser mesmo, mas seus coligados e eleitores repudiam. Assim, a campanha serrista tornou-se esquizofrênica, pois tenta agradar a dois grupos opostos mas apenas consegue tirar a empolgação dos eleitores que já o escolheram. Ademais, se for para manter como está, que se vote na Dilma, oras.

Serra teria uma outra cartada: seria o candidato de Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, esta vantagem não é utilizada. Se por um lado isto é razoável – Serra fazia parte de um setor mais heterodoxo do PSDB durante o governo FHC – por outro é triste porque descaracteriza o PSDB e tira de cena um intelectual importante. É compreensível: FHC é  injustamente impopular, e os seus apoiadores, hoje, quase sempre se resumem a antipetistas que ignoram o projeto do ex-presidente. Entretanto, escondê-lo acaba retirando da proposta serrista algo mais que me interessaria nela. Serra paga tributo ao projeto de FHC, mas precisa esconder isso.

Se essas questões já não fossem suficientemente problemáticas para mim, a interação entre elas piora a situação. A campanha serrista é puxada pelas três tendências – a fúria oposicionista, a máscara lulista e a herança de FHC – e o resultado é um remendo contraditório. Vendo o material de campanha de Serra, o que se pode esperar de seu governo? Não há consistência ali, então não dá para saber em que eu estaria votando. A única razão pela qual eu votaria no Serra, nesse contexto, seria acreditar que o pior que pode acontecer é o PT continuar no poder. E acredito justamente no oposto.

Dilma Rousseff

Mulher de cabelos curtos com blazer vermelho e colar de pérolas

Dilma Rousseff

Também sou uma das poucas pessoas que teriam votado em Dilma devido a seus supostos defeitos… se ela tivesse se candidatado antes.

Por exemplo, muitas pessoas não confiam em Dilma porque ela não era política, mas técnica. Ela seria uma “candidata fabricada”, sem histórico, talvez até uma marionete de Lula. Em outros tempos, porém, o fato de Dilma ser nova no páreo me agradaria: afinal, eu queria votar em alguém novo para “trocar quem está aí”. Dilma seria ideal também porque é técnica: sempre tive curiosidade de ver um administrador público de carreira ascender a postos-chave, no lugar de políticos por vezes incompetentes tecnicamente, mas politicamente hábeis.

Há quem acuse a candidata petista de ser autoritária e antipática, especialmente devido a conflitos que entre ela e subordinados. Novamente, há algum tempo isto contaria pontos a favor comigo: se alguém assume um cargo de grande responsabilidade deve não só estar disposto a ser pressionado como também deve ser cobrado com rigor! Na esfera pública mais ampla, o autoritarismo oscila entre o inadequado (posto que é preciso criar arranjos políticos) e o inaceitável (caso se volte contra a sociedade civil); nos gabinetes, que se use toda autoridade e rudeza necessária.

Hoje, já não penso tanto assim. No que tange aos modos duros de Dilma, ainda acredito que é preciso ser enérgico, às vezes, mas isto não ganharia meu voto. Já o desejo por ver um técnico ascender, não o alimento mais, ao menos não significativamente, porque acredito que a habilidade política é importante. Por muito tempo tive em má conta as chamadas “indicações políticas”, e até hoje algumas me embrulham o estômago (como no caso dos loteamentos de cargos para obtenção de apoio), mas nada supera os resultados de um bom político.

Considere, por exemplo, a economia. Lembro-me bem da vida até 1994: é difícil explicar para um adolescente de hoje como seria viver sob uma inflação de centena de milhares de pontos percentuais por ano. Felizmente, durante o governo Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso coordenou uma talentosa e ousada equipe de técnicos em uma das maiores obras de engenharia econômica da história: o Plano Real. Como prêmio merecido por seu trabalho, Fernando Henrique se tornou presidente em 1995. Entretanto, nem Itamar nem FHC eram técnicos, mas políticos que tiveram tanto o tino quanto a sorte de escolher bons quadros para amarrar o dragão. Hoje se vende, compreensivelmente até, Fernando Henrique como um técnico, mas ele é muito mais um pensador corajoso e um político hábil que um engenheiro econômico.

Se esse exemplo não bastasse, bastaria lembrar que quando Lula – alguém que definitivamente não é técnico – chegou a o poder, colocou no Banco Central nada menos que o tucano Henrique Meirelles. Se uma das perguntas que Meirelles respondia diariamente no BC fosse feita ao Lula, provavelmente a resposta oscilaria entre um desejável “não sei” e uma afirmação descabida, mas eu não esperaria uma boa resposta de Lula. Assim como espero do empresário da construção que contrate o melhor engenheiro, espero do presidente que escolha o menor ministro.

Se esses dois aspectos de Dilma, que teriam lhe dado meu voto no passado mas hoje não influenciam tanto minha opinião, não são o que guia meu voto, por que pretendo elegê-la?

Homem de barba, um pouco grisalho, usando paletó risca-de-giz, faixa presidencial (composta por uma faixa verde, uma amarela e outra verde e apresentando brasão da república, posta diagonalmente sobre o peito), broche em forma de bandeira do brasil e gravata vermelha listrada, à frente do Palácio da Alvorada, desfocado.

Luiz Inácio Lula da Silva

A primeira razão é que o Brasil vai bem e posso esperar de Dilma uma continuidade da obra de Lula: economia estável e o combate à pobreza e à desigualdade social. A estabilidade econômica, creio, estaria garantida em qualquer governo, porque está institucionalizada. (Curiosamente, um dos mecanismos desta estabilidade mais defendidos entre os economistas – a independência do Banco Central – estaria mais garantido sob Dilma que sob Serra, que mesmo durante a era FHC mostrava incômodo com isso e já deu sinais que interferiria hoje em dia. Acho que vale o debate, mas a princípio discordo de Serra.) Desde que o PT parou de defender absurdos e compreendeu que a obra tucana na economia deveria não só ser mantida como fortalecida, não há um risco sério neste sentido.

A razão mais significativa para votar em Dilma, portanto, é a continuação do trabalho social do governo, que estaria sob ameaça – mas não necessariamente se extinguiria – em um governo da oposição. Um exemplo é o programa Bolsa-Família. Eu poderia falar sobre por que ele é um excelente programa, mas não poderia fazer melhor do que já fizeram. Felizmente, mesmo os setores mais razoáveis da oposição compreenderam a importância desse programa (não só já não dizem mais que é mais esmola como declaram que foi criado por FHC!), mas ainda há muito preconceito, em certos grupos da sociedade e da oposição, contra esse tipo de empreitada. Basta ver o que disse a esposa de Serra. Por isso, é necessário que o próximo governo institucionalize o combate à pobreza e à desigualdade, assim como FHC institucionalizou a estabilidade econômica. É preciso que as críticas mais impensadas sejam tão aceitáveis quanto as propostas para a economia do PSTU. É preciso que se entenda, de uma vez por todas, que é preciso vencer a miséria, agora, já, afobadamente  e, infelizmente, o único candidato que deixa isso claro é Dilma.

(Cito o Bolsa-Família porque é o exemplo mais unânime e evidente, mas muito mais foi feito no governo Lula. Esta moça pode falar algo mais.)

Perguntas e respostas

Sejamos justos, porém: houve muita coisa errada durante o governo Lula. Infelizmente, porém, as críticas mais populares são, em minha opinião, as mais inapropriadas. Embora eu não esteja votando em Lula, agora, mas em Dilma, sou constantemente questionado sobre essas críticas, o que não deixa de ser justo. Assim, tento sumarizar a sabatina abaixo.

Lula não é autoritário, totalitário, antidemocrático e/ou chavista?

Não encontro amparo na realidade para nenhum destes epítetos. Durante muito tempo, afirmou-se que Lula pretendia alterar a constituição para obter o seg… digo, terceiro mandato, à moda de Chávez. Felizmente, isto não aconteceu; infelizmente, a oposição não mudou o discurso.

Por exemplo, um amigo meu falou que a candidatura de Dilma Rousseff era ilegal porque ela seria apenas um proxy de Lula, já que só entrou na vida política pública mais recentemente. A afirmação é absurda, primeiro, porque, como qualquer cidadão, Dilma tem direito a se candidatar e, segundo, porque Dilma tem uma história e personalidade próprias, bem marcantes, por sinal. As propostas são bem semelhantes às de Lula, mas isto é natural, já que são do mesmo partido; a diferença deve aparecer na maneira como agirá ante os problemas de seu mandato.

Enfim, não existe ilegalidade, nem formal, nem no espírito da lei, na candidatura de Dilma; só crê nisso quem não consegue aceitar que Lula não é chavista. Em certo sentido, este seria o desejo da oposição – quão mais fácil seria se opor a Chávez! – mas Lula não alterou a Constituição, não tentou um terceiro mandato nem tomou nenhuma das medidas autocráticas do venezuelano. O que ele deveria fazer para não ser chavista? Não propor um sucessor? Enfim, não há suporte concreto à tese do chavismo lulista, e a oposição inteligente já superou essa enrolação

O PT não busca a censura e prejudica a liberdade de expressão e imprensa?

Várias capas de livros e revistas criticando e ofendendo Lula, com dois homens estilizados embaixo. Um deles fala: "Só se o Lula tiver proibido a imprensa de falar bem dele"

Independentemente de estarem certos ou errados, isto não aconteceria se houvesse censura

Novamente, nenhum fato indica isto. Jornal algum foi fechado, nenhum jornalista perdeu a cabeça, programa algum foi impedido de ir ao ar, reportagem alguma foi proibida. Pelo contrário, a imprensa nunca foi tão corajosa e ousada. Infelizmente, em alguns momentos esta ousadia levou a afirmações moralmente duvidosas e certa queda de qualidade. Tudo bem, acontece, faz parte do jogo. Da parte do governo, o importante foi feito: não houve interdição do Estado sobre os órgãos de imprensa.

Não que eu concorde com todos os pontos do governo. Por exemplo, considero muitas das ideias mais ventiladas na Confecon antidemocráticas. Também considero danosa à democracia a regulamentação da profissão de jornalista, por exemplo. Não sei se ambas as propostas fazem parte do programa do governo, mas faria todo sentido se fizessem: a militância petista, intimamente ligada a movimentos sociais, e o próprio partido, trabalhista e portanto regulamentador, parecem ter o perfil de quem as defenderia.

Entretanto, apesar de me opor às propostas, não as considero totalitárias. Permita-me compará-las com a Lei Cidade Limpa, que proíbe publicidade externa na cidade de São Paulo. Uma lei que proíba propaganda é anticapitalista, em certo sentido – mas esta lei não é, de maneira alguma, uma ameaça ao capitalismo. Apesar de eu acreditar que o capitalismo é uma boa forma de produção, e julgar que, por exemplo, o dono de um terreno tem o direito de pôr um outdoor na sua área, não vejo nesta lei algo totalitário, e estou aberto a discuti-la e, talvez, até apoiá-la. Vejo o mesmo nestas propostas: não são uma ameaça a democracia, embora não favoreçam o tipo de liberdade que eu defendo. Há países democráticos com conselhos de jornalismo (a França, creio, é um exemplo) e defender o “papel social da comunicação” é algo perfeitamente aceitável em um país com liberdade de expressão. Como considero as propostas ruins mas discutíveis e, ainda por cima, que muitas estão mais relacionadas à militância ou ao Legislativo, não vejo aí um argumento suficiente para mudar meu voto.

Por fim, acusa-se o Lula de perseguir e censurar a imprensa por criticá-la. Apesar de concordar que os discursos do presidente frequentemente não usam o tom adequado, francamente nunca vi uma crítica que fosse inválida. O presidente, como qualquer cidadão, não precisa ficar calado, tem todo o direito de emitir sua opinião. Pessoalmente, acredito que falar mal da imprensa é algo que deve ser evitado – isto merece uma postagem inteira, que pretendo fazer – mas não é crime e definitivamente não é antidemocrático, no geral. Agora, estou disposto a discutir esta ou aquela crítica – absurdo é criticar o ato de criticar.

O governo Lula não foi corrupto?

Dentre as críticas que ouço, esta é uma das mais justas. Até 2002, o Partido dos Trabalhadores arvorava-se como um luminar de ética. A moralização da política era constante em seu discurso. Chegando ao poder, porém, a corrupção persistiu. Nada mais justo que não votar em um partido que não cumpriu sua promessa.

Entretanto, diz-se que a corrupção nunca vicejou tanto quanto durante o governo Lula. Isto eu não posso avaliar – hoje há mais transparência justamente porque não havia tanta antes – mas duvido muito. Se não posso analisar a corrupção, ao menos pode-se avaliar a atuação repressora. Mais ações da Polícia Federal ocorrem, mais acusações são julgadas, a imprensa faz marcação cerrada, a Procuradoria-Geral da República está mais atuante, o Tribunal de Contas da União mais visível…

É verdade, porém, que o Executivo, no geral, não conseguiu mudar o quadro da maneira que esperávamos. Por um lado, isto é triste porque o era o que mais queríamos do governo Lula. A corrupção no governo Lula, se pode não ter sido pior que antes (eu suspeito que não foi), foi muito maior do que esperávamos, ainda mais considerando a imagem de “bastião da ética” do PT pré-2002. Por outro lado, foi o fim da inocência, e o resultado foi a superação de uma fase ingênua da política brasileira, levando-nos a uma política pós-ética onde não há santos  e as propostas devem amadurecer.

Entretanto, aprendi que mudar o Executivo não combate a corrupção. Muito mais relevante para esse combate é um Judiciário funcional e um Legislativo atuante. O primeiro, vimos conseguindo: os projetos do Conselho Nacional de Justiça, embora não os acompanhe de perto, parecem muito positivos. Já o segundo é um problema maior, pois divide-se, em grande parte, em situacionistas comprados e oposicionistas incompetentes. Não tenho resposta para esse problema – não tenho resposta para nenhum problema, aliás. Entretanto, podemos começar escolhendo gente mais competente que histérica, para a oposição, ou, se quem apoia o governo, escolhendo candidatos com bandeiras ideológicas mais claras. É muito pouco, e aceito ideias mais efetivas, mas é o que se pode fazer.

Quanto ao PT, errou ao prometer extinguir a corrupção sem poder fazê-lo e ao ignorar, como bom partido com bases marxistas, que pessoas respondem a incentivos. Apesar disto, e justamente porque aprendi que o buraco é mais embaixo, não mudo meu voto.

As alianças governistas com gente como José Sarney, Fernando Collor etc. não são maléficas?

Homem com entradas de calvície, usando óculos, paletó azul-marinho, gravata listrada e camisa branca, sentado em uma cadeira de madeira com encosto acolchoado e arabescos acima da cabeça, onde há um desenho abstrato dourado em que se lê "Senado"

Renan Calheiros

Este é outro excelente ponto. Os membros do Partido dos Trabalhadores se vendiam como intrinsecamente diferente destes políticos – e de fato eram, até chegar ao poder. Entretanto, alçados à presidência, aliaram-se a eles.

Se a corrupção durante o governo Lula desceu a seco, este tipo de aliança é muito mais compreensível. Necessário até, eu diria. Considere, por exemplo, Renan Calheiros. Se foi incômodo vê-lo como Presidente do Senado defendendo Lula, que dizer de tê-lo como Ministro da Justiça durante o governo de Fernando Henrique? Aqui, não quero apontar a “hipocrisia” da crítica, mas o fato de que política é a arte do possível, e é preciso se aliar, sim, a pessoas que não nos agradam. Um candidato perderia meu voto por ser Renan Calheiros – mas não por se aliar a Renan Calheiros.

Na verdade, este não é um fenômeno brasileiro. No Reino Unido, por exemplo, recentemente os liberais-democratas (que tiveram um papel vagamente semelhante ao PV na eleição atual) se aliaram aos tories conservadores. Em Israel, o Likud fez aliança com o Israel Beiteinu de Avigdor Lieberman – que sofreu, inclusive, acusações sérias de corrupção. Mais exemplos ainda podem ser citados. Muita gente toma como parâmetro para o Brasil a estrutura política estadunidense que, por ter apenas dois partidos relevantes, torna desnecessária e inviabiliza alianças boa parte das vezes. Entretanto, este regime bipartidário é totalmente excepcional nas democracias modernas, e não deixa de ter seus próprios problemas.

Enfim, alianças, incluindo alianças feias, são um preço a se pagar pela democracia. Ademais, ainda acho que há muito a se refletir sobre estes políticos pouco ideológicos das alianças governistas. Por exemplo, eles desaceleram o avanço do partido governista, permitindo reflexão e contendo a implantação de uma ideologia. Também trazem à tona temas locais. Sem contar que viabilizam a governabilidade. Enfim, como disse um comentarista do Na Prática a Teoria é Outra, “o PMDB é como arroz: todo mundo fala mal, reclama, mas quando não está lá, faz falta”.

O governo Lula não apoiou as FARCs?

A política externa brasileira é um dos temas mais martelados pela oposição, justamente por ser um dos mais complexos e, portanto distorcíveis. Notadamente, neste aspecto, discordo completamente de quase todas as críticas.

Acusa-se o governo, por exemplo, de apoiar as FARCs. A primeira vista, a acusação parece fazer sentido, posto que realmente houve contatos concretos entre o PT e o grupo guerrilheiro no meio da década passada. Entretanto, pensando um pouco, a tese é absurda: se isso fosse verdade, estaríamos em guerra com a Colômbia, sendo invadidos por marines. O que temos, porém? Juan Manuel Santos vêm ao Brasil fechar parcerias comerciais e os jornalistas brasileiros perguntam-lhe sobre as FARCs. A antiga aproximação do PT com as FARCs é bem incômoda, de fato, mas não há sinal de que levaria a fatos concretos. De qualquer forma, eu já não votaria no PT de 1994 pelo que ele dizia do Plano Real, mesmo.

O Brasil não privilegiou/favoreceu regimes antidemocráticos?

Também se diz muito o Brasil privilegia regimes totalitários porque mantém relação com eles. Entretanto, não vejo evidências de que o Brasil pretere democracias em favor de ditaduras. O que ocorre é que o Brasil mantém relações diplomáticas com países não alinhados aos interesses europeus e norte-americanos – mas também não rompe com as potências europeias e os Estados Unidos – e vários destes países estão sob regimes autocráticos. De fato, nunca se vê críticas contra relações com China e Arábia Saudita, por exemplo.

Homem de barba grisalha e cabelos negros (Ahmadinejad) usando paletó cinza com broche na forma da bandeira do Irã e camisa branca, sem gravata, aperta a mão de homem (Lula) com paletó azul-marinho e gravata listrada de azul-marinho e verde, com broche da bandeira do Brasil, à frente de parede azul com uma bandeira brasileria pendurada

Isto não pode…

Homem grisalho branco (Bush) usando paletó azul, calça cinza, camisa branca, cinto e sapatos pretos, anda ao lado de homem gordo árabe de bigode (Abdallah) usando túnica negra, turbante branco, faixa dourada e óculos (e mais um homem não reconhecido, grisalho, sendo que só a cabeça aparece, atrás e entre os dois) à frente de um jardim com flores azul-arroxeadas, com árvores de troncos negros e um carro prata atrás

É sintomático que o exemplo mais popular dessa suposta preferência do governo Lula por governos autocráticos seja a participação do Brasil nas negociações com o Irã sobre inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica. A maioria das pessoas que falam sobre isso geralmente sabem muito pouco – especialmente porque essa questão é incrivelmente complicada. De qualquer forma, explicar minha (irrelevante) opinião sobre esse caso levaria uma postagem inteira, ainda maior. Posso resumir dizendo que nem as potências europeias e americana sabem bem como conseguir o que querem, pois suas acusações perderam força depois da Guerra do Iraque e o Irã tem justificações legais razoáveis – resumindo grosseiramente, estão tentando forçar Teerã a adotar restrições que não são impostas por acordo algum já assinado. O Brasil, que já tinha  relações diplomáticas razoáveis com o Irã, participou como intermediário nas negociações – um papel que alguém deveria fazer e que o Brasil fez bem. A proposta brasileira infelizmente não resolveu a questão, mas como ninguém está conseguindo resolver, esse é o menor dos problemas. O que há, afinal, é discordância sobre o método, não sobre o objetivo. (Sobre este tema, recomendo vivamente o blogue do Maurício Santoro.)

Todos os países mantém relações com governos totalitários. O rei Abdala da Arábia Saudita foi recebido na Casa Branca. Israel tentou negociar armas nucleares com o governo do apartheid, mantém relações com o Egito e já tentou normalizar sua relação com a Síria. A França apoiava – e provavelmente ainda apoia – ditaduras em suas antigas colônias. Novamente, não estou criticando a “hipocrisia”, que é do jogo, mas fazendo notar que é usual, necessário e, frequentemente, até salutar não romper relações diplomáticas com regimes não democráticos. Neste contexto, o Brasil empreende ações muito positivas. Há quem julgue que é imoral mante relações diplomáticas com regimes autocráticos – exceto asindispensáveis” – porque isso sustentaria os regimes autoritário. Entretanto, virar o rosto ao problema não o resolve de maneira alguma, e, julgo, relações culturais e comerciais são muito mais efetivas – embora mais lentas – na luta pela democracia que sanções e conflitos bélicos.

Não houve antiamericanismo inapropriado durante o governo Lula?

Outra ideia corrente é a de que o Brasil, em um ato de “rebeldia adolescente” teria se “rebelado” contra os Estados Unidos e se “subordinado” aos regimes bolivarianos (Venezuela, Equador etc.) Apenas uma visão distorcida na qual o Brasil tem de ser subalterno justificaria essa hipótese. Para começar, o Brasil é nação soberana e se relaciona com tanto com os EUA quanto com os países sul-americanos, e há divergências entre ambos. Parte dessa impressão provavelmente se deve também à maneira como alguns conflitos (a tomada de bens da Petrobrás pela Bolívia, as ameaças de moratória do Equador e a renegociação do preço da energia de Itaipu com o Paraguai) foram resolvidos: sem grandes protestos. Eu acho que foram boas soluções: os negócios brasileiros na Bolívia e no Equador retomaram o rumo usual, até onde me consta. A negociação com o Paraguai, na qual o Brasil foi generoso, também me parece positiva: o Paraguai já fez concessões ao Brasil e o resultado para a influência brasileira na América Latina pode ser muito bom. (Ademais, um esclarecimento: o Brasil não pagou sozinho por Itaipu)

Homem um pouco grisalho, com barba totalmente branca, de paletó cinza, colete de lã fechado, camiza cinza-azulada e gravata de um tom mais escuro que o da camisa com desenhos brancos, com um crachá em que se vê sua foto e se lê seu nome, levantando uma caneta azul, falando a um microfone fino à frente de um fundo azul-escuro em que se lê, repeditamente, "WORLD ECONOMIC FORUM"

Celso Amorim

Uma consequência lamentável – felizmente, mais restrita – destas críticas pouco informadas é a acusação de que o ministro Celso Amorim seria algo entre um megalomaníaco, um fraco e um ditador. Quem o afirma, porém, ignora ou omite que Celso Amorim, como qualquer diplomata brasileiro, não ascendeu agora: fora inclusive ministro durante o governo Itamar Franco e trabalhou em postos-chave durante o governo FHC. Confesso que não conheço muito de seu trabalho, mas o pouco que conheço me faz admirá-lo bastante. E, francamente, se Fernando Henrique o aproveitou, estou certo que é um grande profissional. Se até o David Rothkopf – que deve discordar muito do chanceler – concorda que Amorim faz um bom trabalho, exijo evidências muito fortes da incompetência do ministro, e não as conheço.

No final das contas, a política externa brasileira está mais polêmica, mas também mais assertiva, independente, relevante e global. Ao contrário da crença usual em certos círculos, o Brasil não é ridicularizado no exterior. O Brasil parou de ser sinônimo de carnaval, mulher bonita e futebol para significar etanol, economia crescente, estabilidade política. Se não acredita em mim, pergunte a The Economist.

O Partido dos Trabalhadores não aparelha o Estado?

Recentemente, levantou-se a tese de que o PT apalheraria o Estado, colocando membros do partido em postos-chave, formando um poder paralelo. Esta acusação me parece, francamente, absurda: não é que não esteja certa, ela não está nem errada. Se o partido venceu as eleições, ele tem todo o direito de colocar membros nos cargos mais relevantes – sempre foi assim. Não só tem o direito, como é uma boa ideia: um partido que ganhe uma eleição tem, presume-se, um programa e uma ideologia que foram escolhidos pelo povo, e as melhores pessoas para implantar o programa são justamente as que o idealizaram – os membros do partido.

A crítica é tão ruim que fala de um ponto em que o PT se destaca positivamente. Os altos postos do governo petista incluíram gente como Ciro Gomes e Henrique Meirelles, opositores de Lula. Dilma Rousseff é outro exemplo: técnica que cresceu subindo na hierarquia burocrática, foi fundadora do PDT de Brizola após a redemocratização. Entretanto, apesar de não ser petista, Lula alçou-a a Ministra de Minas e Energia, contra todas as expectativas, para aproveitar sua experiência como secretária no Rio Grande do Sul. Isto é o oposto de aparelhamento.

(Meu comentário foi bem curto; o tema é explorado com muito mais talento pelo Celso de Barros.  Aliás, o Na Prática a Teoria é Outra é um dos melhores blogues políticos do Brasil, recomendo-o vivamente.)

Você votaria em uma terrorista?

Por fim, uma crítica que não se aplica diretamente ao governo Lula, mas à candidata. É, finalmente uma.

É usual que chame Dilma de “terrorista” por sua participação no VAR-Palmares. Embora hoje em dia seja unânime que a luta armada foi um erro tático e haja certo consenso de que estes grupos não eram democráticos, a tese de “terrorismo”, ao menos nos casos citados contra Dilma, não me convence. Basicamente, “terrorismo” é um conceito tão vago, político e carregado que não há consenso internacional sobre o que seria. Eu, porém, não chamaria um ataque a alvos não-civis de terrorismo – e não houve ataques a alvos civis entre as ações que se atribuem, controversamente, ao grupo de Dilma, até onde percebi. Francamente, se a segunda ementa da Constituição Americana defende o direito à resistência armada a um regime autoritário, embora haja sim muitos detalhes e nuanças, não considero Dilma terrorista.

Fotografia preto-e-brnca de homem muito calvo, de óculos, camisa branca e calça escura, sobre a escada de madeira que leva à porta de uma casa, também de madeira. Na parede atrás, há uma placa em que se lê "BIRCH"

Menahem Begin

De qualquer forma, por mais que terrorismo seja um crime repulsivo, eu votaria em um terrorista que tivesse pagado sua dívida com a sociedade e se mostrasse competente e necessário. Eles podem não só ser bons políticos, mas também ser bons políticos conciliadores. Por exemplo, Menahem Begin liderava o Irgun à época do atentado ao Hotel King David. Apesar disto, veio a se tornar primeiro-ministro de Israel e teve um papel crucial nos acordos de paz de Camp David, com o Egito. Outro exemplo é Nelson Mandela, que passou vinte e seis anos preso por ataques armados e sabotagem mas que, após o fim do apartheid, tornou-se personagem importantíssimo da reconciliação sul-africana. Novamente, não considero Dilma Rousseff terrorista – mas se considerasse, poderia cogitar votar nela apesar de seu crime, dados os exemplos no exterior.

A oposição

Se a maior parte das críticas que ouço não me convencem a votar na oposição, a preponderância de críticas tão fracas me convence a não votar na oposição.

O Brasil melhorou muito, graças a uma série de governos competentes que começou com Itamar Franco. O PSDB salvou o país com o Plano Real, contra a oposição absurda de um Partido dos Trabalhadores desnorteado e sem propostas. Merecidamente, o PT foi humilhado duas vezes nas urnas – e aprendeu com isto: em 2002, apresenta-se como o partido do diálogo, da mudança consciente e da superação do já desgastado modelo de governo de FHC, e ganhou. Aprendendo a respeitar os avanços de Fernando Henrique, foi investir no social, primeiro meio desengonçadamente, com o Programa Fome Zero, depois mais consistentemente, com o Bolsa-Família, uma ideia de Cristóvam Buarque timidamente experimentada por FHC no final do seu governo. O PT tomou diversos programas, os uniu no Bolsa-Família, aumentou a escala e o valor, exigiu contrapartidas e o resultado foi redução da miséria e aplausos, mesmo por órgãos como o Banco Mundial. Nas relações internacionais, o Brasil diversificou os parceiros, adquiriu relevância e independência. A economia cresce pouco, mas surpreendeu, permanecendo estabilíssima durante a crise de 2008.

Assim, o papel se inverteu. Na incapacidade de criticar a competência do governo, a oposição refestela em críticas sem fundamento e suposições absurdas. Enquanto jornais e revistas, corretamente, atacam o governo, fala-se de censura; se antes se dizia que havia censura, na falta de exemplo consistente, hoje dizem que vai haver. Passaram anos acusando Lula de querer concorrer ao terceiro mandato e, quando ele não o fez, ficaram perdidos – chegam até a dizer que eleger seu sucessor é ilegal! Agora vêm com a tese de aparelhamento, porque o partido simplesmente governa com membros do partido! Acusavam o Bolsa-Família de eleitoreiro, populista mas, ditante da aprovação avassaladora, decidiram que são os “pais” do programa. Recusam-se a distinguir relações diplomáticas de apoio a regimes. Decidiram que votar, levando em conta a economia, agora, seria errado: o “votar pelo bolso” é sinal de ignorância, agora. Se lembrarem, porém, que a estabilidade econômica se deve a FHC, aí tudo bem, pode votar pelo bolso. Enfim, na incapacidade de superar o PT em propostas, tentam criar um espantalho à altura de sua competência – como fizera o próprio PT até 2002.

Eu não votaria no PT de 1994, não votaria no PT de 1998 – e não vou votar nesta oposição que depende de farsas, incapaz de criticar o que precisa ser criticado e de construir programas e propostas necessárias. É uma pena que seja assim: nós precisamos de uma oposição que aponte problemas reais, que proponha alternativas de qualidade, que fiscalize, mas fiscalize o que de fato existe. Infelizmente, porém, para cada Erenice Guerra denunciada temos dezenas de artigos sobre censura inexistente, centenas de discursos sobre polícia secreta tão secreta que ninguém viu.

Isto vai melhorar: se o PT aprendeu em oito anos de humilhação que é preciso ser maduro, o PSDB e aliados devem aprender em doze, se Dilma ganhar. Há gente boa lá, que está sufocada ou que se deixa levar pelo discurso paranoico, mas quando o alto escalão velho der espaço – e é o que deve ocorrer se Serra perder – um novo debate surgirá, uma oposição séria nascerá. Aí, sim, haverá grandes chances de levar meu voto.

Primeiro adendo: Marina Silva

Mulher de cabelos negros presos atrás da cabeça, blazer beje, sorrindo levemente sentada em cadeira de encosto azul com parede branca atrás

Marina Silva

Notadamente, não falei de Marina Silva. É uma política competente, honesta e com história. Se eu fico satisfeito com a continuidade, ela certamente é uma boa escolha.

A maioria das pessoas que li dizem que não votam nela por sua posição quanto ao aborto e por ser criacionista. Eu já não sou tão categórico: se houvesse razões suficientes para votar nela, eu votaria, apesar destas posições. Ocorre que ela não tem muito a oferecer para mim. Como expliquei, não creio que ela possa mudar drasticamente a realidade brasileira no que tange à corrupção. Ela é menos experiente, então teria de gastar tempo adquirindo a experiência que o PT já obteve. Ela teria de fazer alianças – e isto implica em conversas incômodas com gente suspeita. Enfim, a ideia de que ela seria diferente não me atrai – e, se me atraísse, ficaria decepcionado ao ver o que ela provavelmente não seria tão diversa. É bom que ela esteja aí, no melhor dos mundos formará uma boa oposição, mas por ora é apenas um amontoado de boas intenções.

Agora, que seria muito interessante vê-la no segundo turno com a Dilma, seria.

Segundo adendo: tudo dará certo

Apesar de votar em Dilma, acredito que ambos os três principais candidatos são competentes, responsáveis e sérios. Estou muito feliz por esta eleição, por ter tão bons candidatos. Para um país que teve de depôr um presidente logo após o fim da ditadura, é uma evolução e tanto. Posso desaprovar muita coisa na oposição, mas sei que nunca nos afundariam economicamente ou desceriam aos níveis de má gestão de um Sarney, por exemplo. Então, se Serra ganhar, parabéns! Bom governo, amigo, mas se decida sobre o que quer fazer.

Terceiro adendo: atuação de Dilma Rousseff no Ministério de Minas e Energia

Uma pergunta de um amigo:

Não entendo como alguém que foi a coordenadora responsável por energia durante o maior apagão nacional da história do Brasil pode ser considerada uma boa técnica, mas enfim…

Bom ponto, que infelizmente esqueci de comentar.

Eu não tenho tanto conhecimento para analisar os detalhes técnicos, mas minha visão geral é a seguinte.

Quando Dilma foi secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul, o estado tinha sérios problemas com blackouts, mas ela conseguiu superar o problema e aumentar a capacidade de atendimento do estado. No ministério mesmo, ela foi responsável por transmitir confiança a investidores e incentivou um modelo menos estatizante para o setor elétrico. Há gente séria que diz que ela foi responsável por evitar um novo apagão; eu acredito, mas aí meu conhecimento técnico não alcança.

É interessante notar que Dilma ser Ministra de Minas e Energia logo no começo do governo Lula era algo inimaginável. Luiz Pinguelli Rosa já era dado como certo e, mesmo se não fosse ministro, já havia aliados cooptados de olho em tão importante ministério. Acabou, porém, que em algumas reuniões Dilma mostrou tanta praticidade e experiência que Lula investigou melhor sobre ela e decidiu, contra todas as expectativas, que ela seria a ministra. Como citei acima, é outro curioso exemplo de não-aparelhamento: Lula preteriu alguém de sua base em favor de uma gestora com histórico de competência técnica recém-saída do PDT, partido que, à época, ao menos no Rio Grande do Sul, não fazia parte da base aliada do PT.

Uma excelente referência neste ponto em especial, e sobre Dilma em geral, é esta reportagem da Piauí.

Parte da cidade de São Paulo à noite, como que vista do topo de um prédio, em que se veem vários edifícios, a maioria absoluta com todas as luzes apagadas, e postes nas ruas apagados. Apenas algumas torres de transmissão estão iluminadas. Ao fundo, céu com nuvens escuras.

Mas ainda há uma questão: o blecaute de 2009. Se Dilma foi tão boa ministra assim, como pôde ocorrer?

Falta-me conhecimento para analisá-lo tecnicamente, mas vou tentar fazê-lo com o pouco que compreendi. Aparentemente, a rede elétrica brasileira foi feita para, em caso de falha de um gerador, outro (como Itaipu Binacional) assuma. Entretanto, a flexibilidade cobra seu preço em maior risco: problemas podem se propagar facilmente por este sistema. Foi isto que aconteceu: um problema localizado cortou o fornecimento por um canal, a requisição de energia foi por outro para Itaipu, que se sobrecarregou e se desligou, por segurança. (Se você tiver encontrado algum engano no que eu disse, por favor, avise-me!)

Vale a pena manter essa flexibilidade ante o risco? Não sei. De qualquer forma, esta arquitetura deve ser anterior não só a Lula, mas a FHC, Itamar… Deve ser uma estrutura antiga e com suas vantagens. Uma boa solução, chuto, deve ser aumentar o número de geradores, o que, creio, deve estar acontecendo (ao menos estão tentando fazer Belo Monte…), mas não confie na minha consultoria para projetar seu sistema energético nacional particular.

Este tipo de blackout é incomum, anormal ou excepcional? Dada a lista de blecautes da Wikipédia, acredito que não. Aliás, isto acontece até em países preparadíssimos, basta lembrar do blecaute de Nova Iorque. O do Brasil se compara com esse de Nova Iorque? Pode-se dizer que foi tão “azarado” quanto este? Francamente, não sei, mas como problemas sempre acontecem, confesso que não fiquei chocado.

Aliás, que fique claro que não estou negando que o Brasil tem problemas estruturais seriíssimos nesta área. Só não julgo, a partir do pouco que sei, que o que ocorreu foi culpa, necessariamente, de Dilma. Sobre o blecaute, uma boa referência é este artigo da Folha. Na verdade, o jornal tem praticamente um portal inteiro sobre o assunto; confesso que não o explorei, mas fica a dica.

Quarto adendo: Plínio de Arruda Sampaio

Senhor idoso de cabelos grisalhos, rosto enrrugado, óculos, utilizando paletó cinza escuro, suéter de lã claro e camisa social branca, à frente de um microfone, com uma cadeira fora de foco a vários metros atrás

Plínio de Arruda Sampaio

Minha irmã me perguntou, por sua vez, porque nem sequer menciono o Plínio de Arruda Sampaio.

Plínio, foi, provavelmente, o candidato mais empolgante desta eleição, para o bem ou para o mal. É um grande orador e acrescentou aos debates um dinamismo que os outros candidatos queriam evitar: ele falou umas boas verdades, pressionou os demais e pôs temas incômodos na mesa. Entretanto, suas propostas políticas são perigosíssimas: Plínio ainda está alinhado à esquerda anterior à queda do Muro de Berlim, acredita no socialismo à moda antiga que, julgo, é não só ineficiente mas também perigoso para a sociedade. Ele mostra pouca disposição a negociar e propõe interferir na economia de maneira drástica, com, por exemplo, aumentos inviáveis de salário mínimo, estatizações, moratória da dívida pública etc.

Plínio é o mais carismático dos candidatos, é inteligente, dinâmico, dá até vontade de conhecer pessoalmente; infelizmente, é o único candidato, dentre os grandes, cujas propostas eu considero francamente inaceitáveis. Deve ser um bom polemista, se estiver sob controle; o problema é se ele estiver no controle.

Quinto adendo: Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos

Comentaram no Google Buzz, sobre o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos do governo:

é praticamente o AI-6!!

Também mandaram o link para este vídeo, criticando o programa.

Eu não li o PNDH-3, então não posso julgá-lo. Entretanto, o plano não é, de maneira alguma, um Ato Institucional, (ou mesmo um decreto, como diz o Ives Gandra no vídeo) porque os Atos Institucionais tinham aplicação imediata, enquanto um Programa como o PNDH não é sequer aplicado: indica apenas posições do governo que, se forem levadas em frente, serão, creio, em forma de leis que terão de passar pelo Congresso.

De qualquer forma, pelo pouco que ouvi falar, há muita coisa do que discordo frontalmente, e outros pontos sobre os quais eu discutiria. Entretanto, mesmo os pontos mais extremos (dos quais apenas ouvi falar, ressalte-se) não são novidade: a base do PT (sindicatos, movimentos sociais, ONGs etc.) defendem posições como as apresentadas já há tempo. Se a dinâmica da política permitiu que muitas destas posições fossem detidas ou suavizadas, não tenho por que temer um documento com posições que já conheço.

Enfim, o texto ficou gigantesco, me tirou mais de um mês de dedicação e me impediu de analisar candidatos à Câmara Legislativa do Distrito Federal. Deve haver muita coisa errada nele, mas o importante é que eu consiga montar um retrato do que creio. Espero que, se não concordarem, ao menos gostem. Qualquer coisa, é só comentar.

Escrever para escrever

Atlas

Atlas carregando o globo

Adoro escrever algumas coisas. Por exemplo, gosto de escrever na Wikipédia. Também gosto de compor sonetos. Escrever textos técnicos também me agrada.

Por outro lado, escrever neste blog aqui não é tão prazeroso. Os textos são cansativos de compor, exigem muita pesquisa, muito esforço. Por vezes são sobre temas polêmicos, o que me obriga a tomar muito cuidado sobre o que falar. Geralmente, levo semanas, meses para escrever uma postagem maior.

Entretanto, esse enfado é uma das razões para manter este blog. Postar aqui só é cansativo porque me falta prática e coragem. Assim, escrever aqui é um exercício difícil que é praticado para se tornar fácil. Como a disciplina, só se aprende a escrever bem escrevendo, mesmo que mal. É preciso suar, mesmo quando se escreve, afinal.

Ehma


Emmanuel Codden, cujo nome artístico é Ehma, é um músico (pianista e compositor) belga. Encontrei-o incidentalmente no Jamendo, um maravilhoso site no qual músicos comportilham gratuita e livremente suas obras, todas sob a bênção da Creative Commons.


Ehma foi uma das descobertas mais felizes que fiz no Jamendo. Sua música é suave mas energizante. Seu ritmo calmo não é lento, apenas paciente. Sua alegria é felicidade – mas a melancolia é o pano de fundo. Algumas das músicas são oníricas como poucos fenômenos. Aguçam os sentidos sem causar preocupação. Fazem me sentir como uma criança e um idoso, sem deixar de ser adulto. É como andar por uma nova dimensão do espaço.

Enfim, não tenho palavras para descrever suas obras  – mas tenho para recomendá-la. Ouça um pouco, experimente, sinta. Espero que aprecie os sons sublimes – e aguardo sua opinião!

Nada óbvio

“Óbvio”, o adjetivo, é contraditório. A obviedade faz mais sentido se é circunscrita, limitada no tempo e no espaço. Para o camponês medieval, a doença era obviamente uma consequência da feitiçaria. No futuro, a solução de vários problemas – digamos, a cura da Aids – talvez seja óbvia. Para o comunista, a inviabilidade do capitalismo é óbvia, mas o libertário vê a obviedade dos males do governo. Todas essas certezas são restritas, tópicas. Podemos eventualmente até olhar de fora, com condescendência.

Reprodução Proibida

Reprodução Proibida

Agora, há sentido em falar que algo é óbvio? Óbvio aqui e agora? Posso apontar para o céu e dizer que “é óbvio que é azul”, mas, justamente porque é óbvio, fiz apenas uma afirmação metalinguística. Esse é o problema da ideia de obviedade: se o fato é óbvio, por que apontá-lo? Dizer que algo é óbvio é uma maneira de atestar sua não-obviedade.

 

Golconda

Golconda

Devem existir usos significativos do “óbvio-aqui-e-agora”. Entretanto, esse conceito é quase sempre polêmico, agressivo, vazio. Qual a diferença entre dizer  “É óbvio que isto é assim” e “Isto é assim”? A diferença é que a primeira frase ofende o interlocutor. E é absurda: se fosse óbvio, não precisaria ser dito. Apontar algo como óbvio é um truque retórico: por que tentar convencer alguém de algo que é, bem, você sabe? Não vale a pena, o outro debatedor é simplesmente estúpido demais para ver o óbvio! Mesmo que o óbvio seja resultado de séculos de estudos de economia, filosofia, ciências, o que seja. Mesmo que o óbvio seja a consequência clara da pesquisa do doutorando.

 

Isto não é um cachimbo

Isto não é um cachimbo

Assim, cuidado com a palavra! Porque ela provavelmente mente sobre si mesma, mas não engana a vítima intencionada. O ouvinte não pode aceitar a obviedade daquilo que não entende, e percebe a farsa. Apenas o apontador do óbvio pode cair na sua própria ilusão, deixando-se emaranhar pela obscura armadilha.

Lei Ficha-limpa

A principal razão para eu não ter assinado o abaixo-assinado pela Lei Ficha-limpa foi um engano. Eu julgava a lei por uma versão inicial, em que a mera denúncia seria suficiente para vetar a candidatura. Essa proposta é tão absurda que não poderia apoiá-la. Posteriormente, descobri que a lei havia evoluído um tanto: agora é necessária ao menos uma condenação por mais de um juiz, a partir de uma denúncia de um Ministério Público.

A proposta, porém, ainda assim era polêmica. Por exemplo, a lei poderia ferir o princípio da presunção de inocência. Os defensores da lei argumentaram que o princípio vale para o Direito Penal, mas não para o Direito Eleitoral. Não posso julgar a validade desses argumentos. Para mim, é claro que o candidato pode perder um direito sem ser condenado, mas há dispositivos semelhantes em outros contextos, como a reputação ilibada exigida dos ministros do Supremo Tribunal de Justiça. Deixo o julgamento para tribunais superiores, que, creio, podem até vetar a lei, se for realmente inconstitucional.

Nota-se também que a lei pode ser injusta, ao punir o político menor deixando passar o “peixe grande”. Seria talvez até pesada demais, punindo desvios catalogados mas menores. De fato, ocorrem tais casos. Entretanto, o rigor não é, necessariamente, mau negócio. Vários apoiadores da lei têm em mente os políticos suspeitos mais poderosos, mas não é razoável que não se cometam pequenas diabrites também.

Assim, achei interessante a aprovação da lei. É resultado de uma mobilização realmente popular – que seja rotulada de medioclassista, pois classe média também é povo. Ataca um problema que existe de fato, que é o entricheiramento de criminosos na política. Ademais, mesmo que não venha a ser uma boa solução, é um atendimento razoável a um pedido muito justo: não ser governado por criminosos.

Entretanto, ainda assim eu não assinaria o abaixo-assinado. Primeiro, porque não é assim que eu quero a mudança. Vetam-se certos políticos mas é difícil construir e posicionar lideranças que os substituam, o que é mais importante. A lei está associada – embora não dependa logicamente de – uma visão que tende a piorar essa situação: a ideia de que a política é intriscecamente ruim, que pensar em política é ruim, e que o pensamento crítico em política é sempre a oposição a todos os lados e opiniões. Quase todo mundo que conheço que apoiou o projeto pensa mais ou menos assim. Esse pensamento é muito pernicioso. A lei não depende deste pensamento, nem está inequivocamente ligado a ele, mas foi nutrida nesse ambiente, o que me incomoda.

Além disso, o político desonesto mas hábil pode esquivar-se, mas o pequeno opositor pode, sim, ser vítima injustiçada da lei. Pior ainda é lei se tornar uma arma do transgressor que inspirou a lei. Isso não só não é impossível como já aconteceu em outras situações. Eu me preocupo muito mais em ter um bom candidato em que posso votar que em vetar um mau candidato. Pior que deixar passar um mau político é reter um bom candidato.

Por fim, não quero perder tempo com uma lei que não corrija a própria justiça brasileira. A impunidade dos corruptos é apenas uma das consequências da lentidão judiciária. Mais que isso: uma justiça ineficiente é a causa da impunidade em geral, da violência e do desrespeito à lei. Essa lei é, então, um truque de espelhos para disfarçar o problema maior sacrificando uns bodes expiatórios. Se o gargalo jurídico for resolvido, uma gambiarra como a Lei Ficha-limpa não seria  necessária.

Pode-se dizer que a situação atual é crítica e uma solução ad hoc é necessária. Eu não acredito nisso. Desde que entendo o que é um deputado, vejo a política melhorar, subir de nível. Ademais, muitos desses comentadores sequer entendem o que é efetivamente um crime, e julgam que comportamentos antipáticos deveriam vetar o candidato. Certamente nem todos os apoiadores da lei são tão ingênuos, mas a maioria dos que conheci são.

Ademais, está havendo uma tendência, pouco destacada mas existente, em direção a uma justiça mais eficiente. Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça trabalha em projetos interessantes que, embora eu não conheça em profundidade, parecem estar dando resultados. Prefiro ver onde isso vai dar. Ainda assim, se me apresentarem um abaixo-assinado de um projeto de reforma do Judiciário com o qual eu concorde, contem com minha assinatura. Infelizmente, a Lei Ficha-limpa não se encaixa nessa categoria.

Eu não tenho a repulsa que várias pessoas têm pela lei e seus apoiadores. Entendo as motivações do movimento, e concordo com várias. Achei o movimento, em sua estrutura e dinâmica, muito democrático: o povo participou ativamente da criação de uma lei relevante que foi aprovada. Gostei de ver isso, mas não apoio a lei. Se não chego a ser um opositor, ao menos me reservo o direito de não participar do movimento. Eu mesmo achei minha posição estranha, mas porque, entre discussões polarizadas e extremas, parece que só se pode ser violentamente a favor ou virulentamente contra alguma coisa. Não é assim e, por isso, digo confortavelmente que desprezo a Lei Ficha-limpa.

Sobre uma moça siliconada

Vi na televisão a história uma moça que fizera vários implantes de silicone. Em minha opinião, ficou com seios grotescos, mas essa não é uma posição unânime, porque a moça fez sucesso com seu busto avantajado. De qualquer forma, em alguma das várias cirurgias a jovem acabou sofrendo uma infecção com alguma bactéria perigosa, colocando-a em risco de morte.

Muita gente comentaria sobre como, em certo sentido, a sociedade forçaria a mulher a fazer suas cirurgias. Não foi o pensei naquele momento: acredito e assumo que ela fez o que fez por vontade própria, provavelmente bem informada, assumindo os riscos. Também não quero comentar o programa, um freak show constrangedor, que apoiou as escolhas dela e, agora, explora a situação da moça. No final das contas, o programa provê apenas o que as pessoas – e a própria mulher – querem. O importante é que eu vi uma cena profundamente triste e humana.

Não foi a doença, em si, que me abalou. É triste mas muita gente fica doente, acontece. Não foi a própria moça que se submeteu ao risco? Já estou suficientemente insensível para isso. Não, realmente triste foi a entrevista: a moça comenta que está em uma situação difícil e que, quando sua saúde melhorar – um “quando” como um “se” eufemístico – irá reduzir os implantes, já queria fazer isso. De repente, ela se vira para o apresentador e, com a voz baixa e o olhar amedrontado, diz que espera que o Brasil continue amando-a, mesmo depois da redução.

Eu fiquei comovido ao ouvir isso. Ali havia muito medo, grande necessidade de afeto. Perguntei-me – ela fez as cirurgias para ser amada? Senti uma aflição e uma empatia estarrecedoras. Tive vontade de ir lá, abraçá-la e dizer que não seja por isso! estou aqui, eu a amo e agora melhor e pegue leve, ok?

Ademais, minha afetação intelectual se dissolveu. Eu sempre me achei muito culto e inteligente, mas já começara a me enjoar de pavonear minha intelectualidade: cansara de falar mal de novelas e programa de domingo a tarde, de funk e de tecnobrega. Ao ouvir a moça, isso se consolidou. Em um dos programas que mais detesto, vi uma pessoa, que tomaria como meu contrário, mostrando um estado tão humano que imediatamente desmontou minha arrogante caçoada.

Na verdade, isso não importa. Talvez eu devesse fazer alguma coisa. Sei lá, quem sabe mandar uma mensagem no perfil do Orkut da enferma, junto com montes de fãs que enviam clichês que dizem para confiar em Deus. Confesso que até para mim isso se parece com “descer muito”, mas a questão é justamente essa: eu nunca estive tão acima assim…

As compras na mercearia comunista

Manuel Zelaya, de chapéu e jaqueta, com seu característico bigode

Manuel Zelaya

Eu fiquei feliz com o desfecho do golpe hondurenho de 2009: o avanço do chavismo foi detido mas a mensagem de que golpes de Estado não são mais bem-vindos na América Latina foi dada. Entretanto, parece que os eventos não foram a tragédia de Tchecov que eu imaginava, pois há  problemas sérios no país.

Os partidários de um ou outro lado acusarão Zelaya ou Micheletti e Lobo furiosamente: uns dirão que Zelaya foi o maior problema de Honduras; outros, que o maior problema de Honduras foram os golpistas. Entretanto, o problema é mais profundo: é não ter alternativas a nenhum dos dois. Nada é pior para um país do que ter de escolher entre um Zelaya e um golpe.

Hugo Chávez, de camisa amarela, saudando a multidão, com vários seguranças

Hugo Chávez

É o mesmo problema que assola a Venezuela. Hugo Chávez é um presidente incompetente e autoritário, com histórico golpista. Entretanto, foi eleito democraticamente em 1998 e vítima de golpe fracassado em 2002. Posteriormente, Chávez expandiu seu poder grandemente, tornando-se cada vez mais autocrático. O mal venezuelano, porém, não é Chávez ou sua oposição golpista, mas sim o fato de só Chávez e oposição golpista terem relevância política na Venezuela.

Se as afirmações de algumas pessoas forem verdadeiras, podemos dizer que esse era também o mal do Brasil nos anos 60. Há quem julgue que, nessa década, o país estava na iminência de uma tomada de poder por comunistas; o golpe de 1964 seria uma resposta ao comunismo. Não entrando no mérito da veracidade da versão, o fato é que um país dividido entre um ou outro regime de exceção é um país condenado.

José Sarney, de óculos e terno cinza

José Sarney

Até hoje podemos ver isso perto de nós. Quantos brasileiros reclamam do poder do clã Sarney? Muitos, certamente. Entretanto, o oponente que conseguiu tomar o poder da família em seu território não era lá grandes coisas, também, e foi deposto. Por isso, não é razoável torcer apenas para que os Sarney saiam do poder; é preciso criar alternativas sólidas o suficiente para enfrentá-los. Como elas não surgem no Maranhão, o estado fica sob controle da oligarquia.

Portanto, se você espera que o ambiente político mude, seja em Honduras, Cuba, Maranhão ou Distrito Federal, não basta procurar derrubar os déspotas e os corruptos apoiando tacitamente seus opositores. É preciso desenvolver alternativas, colocar algo melhor no lugar. Quem reclama deve estudar, buscar melhores alternativas e até se candidatar, se as alternativas existentes são mais do mesmo. Isso envolve muito mais esforço e mãos sujas do que apenas reclamar, mas é necessário. Enquanto não houver alternativas, substituir os governantes será como escolher entre o café e o chá horríveis do mercado comunista: muda-se a bebida quando se devia mudar o sistema.

Medo

Frequentemente, tenho medo.

Tempestade marítima com alguns botes e rochedos

Tempestade marítima com alguns botes e rochedos

Não há razão para o medo; digo, nenhuma razão específica. Apenas sinto a contração do estômago, os calafrios sob a pele e um tremor de pernas. Há, sim, razão para o medo, mas a razão está sempre lá: a possibilidade da escolha errada, a irreversibilidade das atitudes, o risco no próximo passo. Eu devia sentir medo sempre.

Navios jogados à costa em uma tempestade

Navios jogados à costa em uma tempestade

Entretanto, não preciso parar por medo. O medo geralmente não é sinal de perigo – mas sim de ignorância. Para além do medo, alcancei mais, aprendi mais, produzi mais. Quando temo o próximo passo, ou o primeiro passo, lembro que posso mais do que imagino, e que os riscos podem valer a pena; assim, mesmo com medo, avanço. A perna de minha decisão caminha, trêmula, para o destino obrigatório. Minha mente pesa de pavor e sorri, como o halterofilista após superar seus limites.

Pôr-do-sol

Pôr-do-sol

Afinal, nem este visitante não é tão ruim se o anfitrião se impuser.