Depois de anos sendo o cara esquisito das rodas de amigos, resolvi adotar hobbies menos exóticos: fui a uma locadora perto de casa e abri uma conta. Para estrear minha vida cinéfila, escolhi Apocalypto. Estava querendo ver o filme há um bom tempo – e minhas especitativas foram satisfeitas.
Apocalypto é um filme visual. As paisagens conseguiam transmitir todas as sensações: medo, coragem, destruição, manipulação. As cenas eram não só expressivas, mas também belíssimas e bem feitas. Algumas decisões polêmicas – como misturar aspectos culturais de diversas épocas da cultura maia – foram tomadas para deixar o filme mais exuberante; o objetivo foi alcançado.
O enredo não deve nada ao visual. A história do caçador perseguido pelos soldados do império é fascinante. O filme consegue prender a atenção. Felizmente, faz isso sem exageros: há muito drama e muita ação, mas não mais do que deveria haver. Quem tivesse assistido o ótimo The Passion of the Christ poderia esperar um filme muito carregado, mas não encontrará isso: o pesado drama foi uma ótima escolha em The Passion of the Christ, mas Apocalypto é outra categoria de filme. Ademais, uma história sobre pré-colombianos dificilmente encontraria backgroud suficiente nos espectadores para emocioná-los tanto quanto a Paixão de Cristo poderia fazer. Se houvesse tanto drama, o filme seria apenas meloso, como são, por exemplo, os filmes de Spielberg.
Os personagens não deixam nada a desejar. Suas motivações, atos, opiniões são convincentes. O espectador sente empatia por eles. Como o filme não possui europeus, eles já não poderiam ser vilões esquemáticos (como temia-se). Os maias são antagonistas, mas definitivamente não são personagens superficiais: seus dramas, atos e opiniões também geram empatia.
Como em The Passion of the Christ, o aspecto mais ousado do filme é o idioma. Apocalypto é falado no dialeto iucateque de maia. A escolha foi muito boa: embora não se possa entender as falas, o idioma cria clima também. Não tive esta sensação (leia todo). Talvez porque tenha sido um filme feito por anglófonos: os atores pareciam falar maia com uma entonação inglesa. É verdade que a legenda distraía o espectador, que via menos dos cenários. Afora isso, porém, foi uma escolha interessante e ousada, e achei que deu certo.
Acredito, porém, que erraram um pouco a mão ao falar da religião maia. O filme deixa claro que a religião maia é um instrumento de controle do povo – especialmente dados os problemas que os maias estavam encarando e viriam a enfrentar. A tese em si, não me incomodou; pelo contrário, foi uma ideia boa. Entretanto, ficou explícito demais. Acredito que, se tivessem apresentado com sutileza, ficaria mais elegante.
O filme teve também suas polêmicas. Por exemplo, alguns historiadores afirmam que os maias não eram tão afeitos a sacrifícios humanos: este seria um aspecto da cultura asteca. Richard Hansen, o especialista que prestou consultoria à produção, responde que, durante o período, houve uma grande influência da cultura asteca sobre os maias. De qualquer forma, segundo alguns pesquisadores, os imolados eram geralmente membros da elite, não escravos – que, por sua vez, talvez não fossem tão comuns.
Houve quem visse no filme uma defesa da colonização espanhola. Segundo estes, o filme transmitiria a idéia de que os maias eram tão selvagens que precisavam do socorro europeu. Sinceramente, isto não faz sentido: em nenhum momento os europeus eram apresentados como salvadores. Pelo contrário: durante todo o filme, vê-se sinais claros de que uma maldição se aproximaria – e esta maldição eram os conquistadores.
Sumarizando, o filme é muito bom. Lamentavelmente, não o vi no cinema: um filme visualmente espetacular, como esse, merece ser visto na telona. Recomendo, porém, que ainda assim o assista: é um dos melhores filmes que já vi.