Tratamento de erros em C com goto

Esses dias, começou-se a discutir na lista de discussão da Python Brasil razões para se utilizar exceções. Em um certo momento, um participante reconhecidamente competente comentou o quanto é difícil tratar erros através do retorno de funções, como em C.

Quando se tem um algoritmo complexo, cada operação passível de erro implica em uma série de ifs para verificar se a operação ocorreu corretamente. Se a operação tiver falhado, será necessário reverter todas as operações anteriores para sair do algoritmo sem alterar o estado do programa.

Vejamos um exemplo. Suponha que eu tenha a segunte struct para representar arrays:

typedef struct {
        int size;
        int *array;
} array_t;

Agora, eu vou fazer uma função que lê, de um arquivo texto, o número de elementos a ser posto em um desses arrays e, logo em seguida, os elementos. Essa função também vai alocar a struct do array e o array de fato. O problema é que essa função é bastante propensa a erros, pois podemos não conseguir

  • abrir o arquvo dado;
  • alocar a struct;
  • ler o número de elementos do arquvo dado, seja por erro de entrada/saída, seja por fim do arquivo;
  • alocar memória para guardar os elementos a serem lidos;
  • ler um dos elementos, seja por erro de entrada/saída, seja por fim do arquivo.

Complicado, né? Note que, se conseguirmos abrir o arquivo mas não conseguirmos alocar a struct, temos de fechar o arquivo; se conseguirmos abrir o arquivo e alocar a struct mas não conseguirmos ler o número de elementos do arquivo, temos de dealocar a struct e fechar o arquivo; e assim por diante. Assim sendo, se verificarmos todos os erros e adotarmos a tradição de, em caso de erro, retornar NULL, nossa função seria mais ou menos assim:

array_t *readarray(const char *filename) {
        FILE *file;
        array_t *array;
        int i;

        file = fopen(filename, "r");
        if (file == NULL) return NULL;

        array = malloc(sizeof(array_t));
        if (array == NULL) {
		fclose(file);
		return NULL;
	}

        if (fscanf(file, "%d", &(array->size)) == EOF) {
		free(array);
		fclose(file);
		return NULL;
	}

        array->array = malloc(sizeof(int)*array->size);
        if (array->array == NULL)  {
		free(array);
		fclose(file);
		return NULL;
	}

        for (i = 0; i < array->size; i++) {
                if (fscanf(file, "%d", array->array+i) == EOF) {
			free(array->array);
			free(array);
			fclose(file);
			return NULL;
		}
        }
        return array;
}

De fato, bastante trabalhoso, e com muito código repetido…

Note, porém, como há duas situações no código acima. Em uma, quando tenho duas operações para reverter, preciso reverter primeiro a última executada, e depois a anterior. Por exemplo, quando vou dealocar tanto a struct quanto o array de inteiros, preciso dealocar primeiro o array de inteiros e depois a struct. Se dealoco a struct primeiro. posso não conseguir dealocar o array posteriormente.

Na outra situação, a ordem não importa. Por exemplo, se vou dealocar a struct e fechar o arquivo, não importa em que ordem eu o faça. Isso implica que eu posso, também, reverter primeiro a última operação executada e depois a primeira operação.

Qual o sentido disso? Bem, na prática, nunca vi uma situação onde eu tenha de reverter primeiro a primeira operação executada, depois a segunda e assim por diante. Isso significa que, quando faço as operações a(), b(), c() etc. a maneira “natural” de revertê-las é chamando os reversores de trás para frente, mais ou menos como:

a();
b();
c();
/* ... */
revert_c();
revert_b();
revert_a();

Agora, vem o pulo do gato. No código acima, após cada operação, vamos colocar um if para verificar se ela falhou ou não. Se falhou, executar-se-á um goto para o reversor da última operação bem sucedida:

a();
if (failed_a()) goto FAILED_A;
b();
if (failed_b()) goto FAILED_B;
c();
if (failed_c()) goto FAILED_C;
/* ... */
revert_c();
FAILED_C:
revert_b();
FAILED_B:
revert_a();
FAILED_A:
return;

Se  a() falhar, o algoritmo retorna; se  b() falhar, o algoritmo vai para FAILED_B:, reverte  a() e retorna; se c() falhar, o algoritmo vai para FAILED_C, reverte b(), reverte  a() e retorna. Consegue ver o padrão?

Pois bem, se aplicarmos esse padrão à nossa função readarray() o resultado será algo como:

array_t *readarray(const char *filename) {
        FILE *file;
        array_t *array;
        int i;

        file = fopen(filename, "r");
        if (file == NULL) goto FILE_ERROR;

        array = malloc(sizeof(array_t));
        if (array == NULL) goto ARRAY_ALLOC_ERROR;

        if (fscanf(file, "%d", &(array->size)) == EOF)
                goto SIZE_READ_ERROR;

        array->array = malloc(sizeof(int)*array->size);
        if (array->array == NULL) goto ARRAY_ARRAY_ALLOC_ERROR;

        for (i = 0; i < array->size; i++) {
                if (fscanf(file, "%d", array->array+i) == EOF)
                        goto ARRAY_CONTENT_READ_ERROR;
        }
        return array;

        ARRAY_CONTENT_READ_ERROR:
        free(array->array);
        ARRAY_ARRAY_ALLOC_ERROR:
        SIZE_READ_ERROR:
        free(array);
        ARRAY_ALLOC_ERROR:
        fclose(file);
        FILE_ERROR:
        return NULL;
}

Quais as vantagens desse padrão? Bem, ele reduz a repetição de código de reversão de operações e separa o código de tratamento de erro da lógica da função. Na verdade, apesar de eu achar exceções o melhor método de tratamento de erros moderno, para tratamento de erros in loco (dentro da própria função) eu acho esse método muito mais prático.

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